O medo é a emoção mais arcaica da humanidade; capaz de conduzir tanto à fúria do enfrentamento, como à fuga defensiva, visando em ambas as situações, a autopreservação frente ao desconhecido. Nossa fascinação por histórias evocadoras do medo primevo, remontam desde os assustadores e hipnóticos contos de fada, até os gêneros literários e filmografias cinematográficas, fiéis representantes do terror e do horror através dos tempos; evidenciando como a nossa natureza psíquica, necessita experimentar este contato desorientador, instável, insólito, com circunstâncias que desafiem o ilusório controle que imaginamos ter sobre a vida cotidiana, colocando-nos diante de uma realidade imponderável, desesperadamente imprevisível.
Aproveitando a época do Halloween, tão enraizado na tradição cultural norte americana e que de algumas décadas para cá, cada vez mais se populariza no Brasil, torna-se interessante enfatizar alguns dados históricos, que ajudaram no decorrer dos séculos, à longevisar esta curiosa e irresistível cultura do medo entre povos das mais diferentes épocas e costumes.
As primeiras histórias sobre o mal já habitavam o folclore do imaginário ancestral, como na região da Mesopotâmia, quando um poema épico escrito numa tábua de argila, datado do século VII a.C; contava a trajetória do monarca sumério, Gilgamesh, que vivera dois mil anos antes, destacando numa das passagens, que este recusava ser amante da deusa Ishtar, por causa das crueldades que infligia a seus pretendentes. Uma de suas vítimas, teria sido um pastor de ovelhas que apaixonara-se pela divindade, mas foi transformado por ela em um lobo sedento de sangue. Prosseguindo em nossa viagem no tempo, podemos fazer uma escala em Roma, no poema Satyricon do prosador Petrônio (27 - 66 d.C), que nos conta a trama de dois homens: Níceros e um soldado, que viajam para uma vila distante. Numa noite de lua cheia, decidem descansar em um cemitério, quando subitamente, uma espécie de maldição parece se apoderar do soldado, que tira a roupa, urina em torno dela e transformando-se em lobo, corre para a floresta, atacando um vilarejo próximo. Ao retornar para casa, Níceros volta a encontrar o amigo na forma humana, trazendo no corpo uma série de feridas. Este é um dos contos mais antigos sobre lobisomem.
Há exatos 250 anos, o escritor inglês Horace Walpole, pioneiro da literatura de terror gótico, inaugura o gênero ao publicar o livro "O Castelo de Otranto", vindo a inspirar uma legião de icônicos escritores, com Bram Stocker, Edgar Alan Poe e contemporaneamente, Stephen King. Quando me referi a pouco, à narrativa dos contos de fada, é importante ressaltar, que na gênese desta supersticiosa tradição oral, imemorial, as histórias reunindo príncipes, princesas, fadas, bruxas e dragões, não foram inicialmente concebidas para crianças, mas sim, para adultos; com suas narrativas repletas de temas picantes, tais como, incesto, estupro, voyeurismo, canibalismo, etc; objetivando provocar medo entre os ouvintes e posteriormente, leitores. Somente a partir do século 17, autores como o francês Charles Perrault e os irmãos Grimm, elaboraram versões mais amenas de Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Cinderela e A Bela Adormecida; direcionadas ao público infantil.
Na galeria dos monstros que habitam nosso inconsciente coletivo, nenhum alcançou maior popularidade do que os vampiros. Relatos de seres sugadores de sangue, já eram comuns entre povos da Antiguidade, com babilônios, hebreus, gregos e romanos. Três datas marcantes, acompanhariam a trajetória de sucesso desta mitologia popular. Em 1047, como conteúdo de um documento para um príncipe russo, lá está a expressão Upir Lichy, que descreveria um vampiro maldoso. Upir, tempos depois, se transformaria em Vampir (em alemão), surgindo assim, vampiro. Publicado na França em 1496, o livro "O Martelo das Feiticeiras", seria uma espécie de manual formulado pela Inquisição, que dentre outras coisas, detalhava a ação de vampiros. E finalmente em 1897, Bram Stocker lançaria Drácula, inspirado na história do príncipe romeno Vlad Tepes, que empalava seus inimigos impiedosamente. Não poderíamos deixar de fora, a obra prima da escritora inglesa Mary Shelley, "Frankenstein". Filha de um filósofo e de uma professora, Mary cresceu cercada por livros e grandes nomes da literatura, entre eles, o gótico intelectual Lord Byron. Nas rodas de conversa ela tomaria conhecimento sobre as macabras experiências do médico Erasmus Darwin, que tentara no século anterior, usar o potencial da eletricidade, para reanimar mortos; transformando-se assim, na fonte de inspiração da autora, quando criou o assustador Doutor Frankenstein. O cientista valia-se de pedaços de cadáveres, para dar vida a uma monstruosa criatura, em cuja trama Mary também admitiu a influência do mito grego de Prometeu. A princípio sua narrativa apresentada na forma de conto, acabou virando um romance, de tão elogiada; mas a jovem autora que ainda escreveria mais de vinte livros, nunca conseguiu igualar em sua vida, o sucesso do romance de estréia.
Aliás, a inspiração proporcionada por temerosos fatos reais, também colaboraram para o sucesso das tramas de terror, especialmente nas telas de cinema. Por exemplo, no clássico cinematográfico de 1973, "O Exorcista", o autor do livro que dera origem ao filme, William Blatty, admitiu que seu primeiro referencial temático foi um artigo lido na biblioteca da universidade, onde um padre narrava as sessões de exorcismo para salvar um adolescente norte americano de 13 anos; fato ocorrido em 1949. No roteiro do filme, observamos a torturante trajetória de Regan, uma garota de 12 anos possuída por um demônio que resiste sadicamente às tentativas obstinadas de um sacerdote católico, para vencê-lo e salvar a menina. Em outro clássico, "Psicose" (1960), do mestre Alfred Hitchcock; o esquizofrênico Norman Bates teve como inspiração o homicida serial Ed Gein, que nos anos 50, matou duas mulheres e desenterrou o corpo de várias outras, que guardavam semelhança física com sua finada mãe. No filme, uma moça acaba se hospedando em um motel decadente a beira de estrada, local gerenciado pelo estranho porém atencioso e tímido Norman; rapaz de dupla personalidade que escondia um macabro segredo, envolvendo o temperamento possessivo da mãe; uma cruel assassina. Mais recentemente, em "Jogos Mortais" de 2004, o serial killer Jigsaw, estabelecia um jogo cerebral e sádico com as vítimas que capturava, concedendo-lhes uma chance de sobrevivência, desde que ela, seus amigos ou familiares, seguissem as regras de determinada missão de sacrifício. No plano real, duas adolescentes do Tennessee (EUA), deixaram mensagem no celular de uma senhora de 52 anos, no mesmo estilo utilizado por Jigsaw, comunicando que uma amiga da mulher estava presa na sua casa e seria morta por um gás venenoso, se ela não agisse rapidamente. Quando a senhora ouviu o recado, estava presente a um funeral, onde passou mal, apresentando um quadro de derrame cerebral. Segundo consta, a polícia teria rastreado o telefonema, conseguindo prender as jovens criminosas.
E finalizando nossa abordagem sobre as diversas manifestações do medo na semana do Halloween, selecionei entre os vídeos desta edição, um personagem gótico da ficção científica, que revolucionaria os filmes de terror no final da década de 70, "Alien"; que sob a direção do cult cineasta Ridley Scott, viria a habitar os pesadelos da astronauta tenente Ripley, catapultando a carreira da promissora atriz Sigourney Weaver. O monstro de layout totalmente original, parecia expressar o caos dos medos mais ocultos da natureza humana, relacionados a brutalidade amoral do mundo dos instintos, onde julgamentos civilizatórios de bondade ou maldade, tornam-se obsoletos, diante da fome de sobrevivência.
Espero que curtam a seleção aúdio visual; e aguardem a nossa temática de Halloween de 2015. Boa diversão!
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