UM NOVO OLHAR
(Monólogo)
(Mulher no consultório de análise, deitada no divã, começando a encontrar as palavras certas, a fim de descrever para o analista, o porquê de seu casamento não ter resistido a diferentes visões de mundo de um casal. A câmera foca apenas no semblante feminino, como se esta fosse o olhar do analista, acompanhando o desabafo existencial da cliente) - (Pausa,como que escolhendo as palavras) - Quando a gente passa por muita coisa na companhia de alguém, que um dia consideramos fazer parte da nossa intimidade; com quem tentamos dividir tanto os momentos felizes, quanto as dores mais secretas; é sempre bom ter a chance de revisitar o que nós fomos, olhar dentro dos olhos daquele que um dia julgamos ter amado e vermos refletido no olhar do outro, o mesmo equívoco amoroso. Só assim parecemos descobrir, que tudo se resumia a nossa solitária imagem, em cego narcisismo, apaixonada por um sonho de completude, que nunca foi real.- (lamenta, fitando-o com certa perplexidade). –É isso mesmo que está ouvindo... eu e meu marido sempre fomos estranhos um ao outro! Fui a primeira a despertar desse devaneio. Mas ele se recusava a enxergar a realidade. Preferia se refugiar compulsivamente, na tarefa de me agradar o tempo todo; de jamais permitir que não me sentisse bem ao seu lado. Para preservar a idéia de que tudo se mantinha estável, era inadmissível dar voz a minhas carências, a minhas dúvidas...Parecia que todo conflito deveria ser enfraquecido e superado, a partir da dose certa de hipocrisia, diante das mudanças, que nunca deveriam acontecer. Sem brigas, sem dor. Sem carência, sem cobrança. Ele projetou viver na tranqüilidade de um lago, de mansos sentimentos; sem se dar conta de que eu me afogava silenciosamente, isolada no oceano de minhas inquietações. Ao menor sinal de tristeza, já se antecipava, como aquele príncipe salvador dos contos de fada. Mas não porque não suportasse me ver sofrer. Na verdade, se negava a compartilhar desse sofrimento; admitir que nada poderia fazer, a não ser acolher a dor; que não deixaria de existir, só porque não estava preparado para conhecê-la. Permanecia ali, virtualmente próximo; porém intocável, na crueza do seu próprio abandono. – (respirando fundo, como se o desabafo, lhe tirasse um peso dos ombros).
Mas aí você deve estar pensando, enquanto olha para mim: “Afinal, o que essa mulher espera dos relacionamentos humanos? Não devemos ser melhores, nem piores, do que foram nossos pais, ou qualquer antepassado familiar. Faz parte de sermos civilizados, nos comportarmos como impostores, fingindo que nos curamos das dores que vivemos, através do redentor servilismo amoroso; da estéril rotina conjugal, que procura silenciar nossos gritos, ao invés de gritar nossos silêncios. (Pausa. Olhando para o analista como se buscasse exemplificar mais claramente, sua realidade afetiva). – Ontem á noite, sem conseguir pegar no sono, diante da televisão; comecei a zapear aleatoriamente entre os canais, até que a cena de um filme, entre tantos, me chamou a atenção. Na cama, um casal apaixonado ia ter sua primeira noite de amor. Depois de muitos encontros, apesar da cumplicidade entre eles ser cada vez maior, ela sempre procurava adiar o momento daquela entrega absoluta. Ele, sempre paciente, não a pressionava de forma alguma. Mas agora, naquele quarto de motel, quando começavam a trocar carícias e ela parecia estar pronta para se encontrar com o seu desejo; algo a fez parar inesperadamente, como se julgasse um erro estar ali, acreditando mais uma vez que poderia ser feliz. Saiu da cama, trancou-se no banheiro; enquanto ele perplexo, ficou a ouvi-la chorar, sem saber o que estava acontecendo. Depois de alguns segundos, levantou e começou a bater insistentemente á porta, pedindo que saÍsse, que conversasse com ele; afinal eles se amavam; e quando o amor existe, não há espaço para se temer a verdade. Reagindo ao seu pedido, ela abriu a porta, carregando no olhar uma certa tristeza indignada, como se sentisse traída pela gentileza enganosa daquelas palavras. Os dois sentados na beira da cama; ela desce as alças da lingerie, exibindo na pele, as marcas dos abusos violentos que sofrera no passado, com quem ela imaginava ser, o homem da sua vida. Nesse momento, diante do olhar surpreso dele, pergunta de forma incisiva: “Esse amor que você diz sentir por mim, é capaz de fazer desaparecer a dor, marcada no meu corpo e na minha alma?”. Olhando-a por segundos, que pareciam uma eternidade, ele responde: “Eu não tenho o poder de apagar as cicatrizes que a vida lhe deixou; mas prometo estar junto de você, sempre que a dor voltar”. – (a voz fica embargada pela emoção, ao concluir a frase. Ela baixa os olhos, procurando se recompor). – Um dia, a verdade dessa promessa, vai sobreviver na vida de todo casal; e não apenas no roteiro de um filme.
Paulo Rogério Ferraz
Galeria de Imagens
Alzira Aymoré, Gilda Pitombo Mesquita e Fernanda Marques Aymoré
Alzira Aymoré, Paulo Rogério Ferraz e Fernanda Marques Aymoré
Alzira e Fernanda Aymoré
Com Fernanda Marques Aymoré, durante a primeira leitura do texto
Nossos sinceros agradecimentos a psicanalista Gilda Pitombo Mesquita, que cedeu gentilmente seu consultório, para realização da filmagem de "Um Novo Olhar"- ensaio de dramaturgia.
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