A Noite do Halloween
Prólogo
(Desaconselhável para menores de 14 anos)
(Desaconselhável para menores de 14 anos)
Vinícius ajoelhou, abraçando a enteada em frente ao espelho, enquanto visualizava o semblante refletido, sorrindo orgulhoso para ela; que lhe retribuiu o afeto, segurando carinhosamente seus braços, com olhar agradecido.
- Como você está linda, meu bem!
- Será que vão gostar?
- Como não se apaixonarem pela vampirinha mais encantadora daquele halloween! Confie em mim.
Nesse instante, a mãe empurra a porta do quarto, aproximando-se em passos pesados, um tanto hesitante.
- Nossa, que demora! Passou esse tempo todo maquiando ela?
- Sabe como a noite de hoje, é especial. A primeira festinha do gênero, em que ela participa. A galera da escola, vai estar toda por lá; não é Christinne?
Diante da chegada materna, é como se a menina sentisse o sorriso se desvanecer instantaneamente do rosto; dando lugar a uma conhecida sensação de insegurança.
- Não gosto desse tipo de festa. Crianças vestidas de figuras amaldiçoadas, banalizando a existência do mal. Brincando com o tema dos mortos, de uma forma tão desrespeitosa...
Vinícius erguendo-se do chão, volta-se para a mulher, numa expressão irônica.
- Fala sério querida! Vai dizer que nunca se fantasiou no "Dia das Bruxas"?! É como o carnaval... Tudo, uma grande brincadeira. E a garotada gosta de sentir medo. Já se esqueceu de como ficava fissurada naqueles terríveis contos de fada, que sua vó lhe contava? Deixa de ser resmungona e diga para sua filha, o quanto ela está bonita.
- Não precisa Vinícius! - interfere a menina, antes que a mãe lhe devolvesse a resposta. - Não quero que ela diga coisas para me agradar, só porque está na sua presença.
- Minha filha, não diga isso. Até parece que desejo o seu mal.
- Desculpe, mãe! Não foi o que quis dizer. Então Vinícius; podemos ir? Queria chegar mais cedo para apresentá-lo à tia Célia. Foi ela que decorou todo o salão, com a gente. Ficou muito legal!
- Tá bom, meu anjo. Já estamos na hora, mesmo. Vá indo até a sala, que vou me despedir da sua mãe.
Christinne dá um beijo de agradecimento em seu rosto e segue apressadamente até a saída do quarto; limitando a se despedir da mãe, com um breve aceno, estampando um sorriso tímido entre os lábios.
- Suzana, não precisa se preocupar. Vamos no meu carro; e sei cortar caminho. Antes da meia noite estaremos de volta, como prometi.
- Sei que posso contar com você. É que o mundo lá fora, anda tão violento, que toda mãe fica meio paranoica. Embora pareça que não me importo com ela, quero que esteja em segurança. Me preocupo com os dois.
- Será mesmo? Desde que nos conhecemos e passei a fazer parte de sua vida, você só parece ter olhos para o filho mais novo. Ela percebe isso, no seu comportamento. Emocionalmente, sempre tão rígida e seca, com Christinne. Mas quando tem o menorzinho em seus braços, se derrete toda; perdoando todas as suas manhas.
- Isso é ciumeira boba de criança. Já é uma mocinha; não devia ficar competindo com o irmão. Gosto deles, da mesma forma.
- Tem certeza? Então demonstre. Sua filha, vai gostar.
Vinícius abraça o rosto da companheira, entre as mãos, beijando-a suavemente nos lábios; despedindo-se com o olhar.
Suzana não os acompanha até a saída; permanecendo pensativa, no quarto da filha. Após ouvir a porta da casa bater, suspira entediada, olhando imediatamente ao redor; pondo-se a esticar a colcha sobre o lençol da cama, de um jeito muito próprio, perfeccionista; entendendo que Christinne não havia arrumado, da maneira que apreciava.
Sua atividade compulsiva, é interrompida pelo choro repentino do filho, que vinha do aposento ao lado, no fim do corredor.
Suzana caminha ansiosa até lá, para retornar em poucos instantes, com o garotinho suspenso no colo, enlaçado a seu pescoço, ainda soluçando.
- Calma, foi só um pesadelo, meu benzinho! Mamãe está aqui.
Suzana dirige-se até a sala de estar, acomodando a criança no sofá. Segue até a estante de dvd's, próximo ao home theater, a fim de escolher uma animação infantil, para assistirem juntos.
- Vou colocar aquela nova aventura do Bob Esponja; tá bom meu anjo?
Antes que retirasse o filme da prateleira, escuta o som da campainha. Impaciente, dirige-se até a porta de entrada; verifica pelo olho mágico e avista duas crianças, carregando uma volumosa cesta de doces, devidamente fantasiadas. Ao se perceberem observadas, pela movimentação em frente a lente, elas ensaiam ao mesmo tempo, um pedido em coro.
- Gostosuras ou travessuras, dona Suzana?
Pelo tom de voz, só podiam ser as filhas da vizinha, com quem encontrava todo santo dia, durante as compras no supermercado. Pensou em ignorar. Mas a luz da sala acesa; aliado ao chorinho do filho, não lhe dava chance de escapatória. Respirou fundo, abriu a porta e esboçou o mais falso sorriso que tinha à disposição, em sua cansada fisionomia.
Após dar alguns trocados, adquirindo uma ou outra guloseima, se despede, fechando a porta com certa irritação. Mal deposita os docinhos sobre a mesa de centro da sala, a campainha toca novamente. Vozes infantis, repetem a mesma cantilena. Ela pensa se não teria dado dinheiro a menos para aquelas benditas crianças, na pressa de se livrar delas, o mais breve possível. Considerando tal possibilidade, nem perde tempo observando pelo olho mágico. Gira a chave e retira a tranca da porta, com a agilidade de quem deseja recuperar o direito â privacidade.
Só que a imagem que vê diante de si, não corresponde a de crianças. Pela altura, deviam ser dois jovens, trajando jaquetas e calças pretas, exibindo no rosto, intimidadoras máscaras coloridas, que remetiam à figura de palhaços, com aspecto bem sinistro. Numa movimentação impulsiva, quase involuntária, tenta retornar com a porta, sem procurar saber o que desejavam. Sua ação é interceptada pelo gesto preciso de um deles, que trava a porta com a perna, impedindo-a de fechá-la.
- Pelo visto, ela prefere travessuras... - diz um deles, numa voz rouca, procurando intencionalmente disfarçá-la.
Na sequencia, o outro integrante da dupla, arremessa o corpo de forma ágil contra a porta, escancarando-a com truculência; enquanto Suzana quase perde o equilíbrio, sendo empurrada para trás, sem que nada pudesse fazer para impedir a entrada dos desconhecidos.
- O que vocês querem?...
O mais alto deles, habilmente torna a fechar a porta; voltando-se para o comparsa, que parecia aguardar instruções. Indicando por gesto, aquele que parecia ser o líder motiva o companheiro a aproximar-se do sofá, ficando bem próximo da criança; que recomeçava a chorar, claramente assustada. A pergunta indignada de Suzana, mergulha por alguns segundos, em aflitivo silencio oceânico, naufragando numa infindável sensação de terror. Sem conseguir mexer um músculo; olhar petrificado, aguardando a próxima ação dos invasores; ela parecia assumir a postura instintiva de um animal selvagem; atento e pronto a uma reação explosiva, ao risco iminente de qualquer ataque.
O mascarado que demonstrava estar no comando, aproxima-se e sacando um revólver, preso às suas costas, aponta para a cabeça dela, tapando-lhe a boca com uma das mãos.
- Se fizer um movimento sequer, o bebê morre.
A mãe contempla aterrorizada, a imagem do outro invasor, colocando uma fita adesiva na boca da criança, para depois ajeitá-la em seu colo, à medida em que se acomodava no sofá.
- Vou tirar a mão de sua boca e espero de coração, que não bote tudo a perder, ok?
- Suzana meneia a cabeça, de forma assertiva, dando a entender que iria colaborar com a orientação. Ele no entanto, apesar de se distanciar um pouco dela, permanece apontando a arma na direção de sua cabeça.
- Por favor, o que vocês querem de mim? Podem levar tudo; eu não vou reagir. Mas parem de ameaçar o meu filhinho. - implora Suzana.
- Não faremos mal a ele. As coisas podem rolar muito rápido! Só vai depender de você. Pode ir até lá, pegar seu filho no colo e levá-lo para o quartinho dele, fechando a porta em seguida. Aí poderemos ficar a sós com você.
Suzana percebe um arrepio percorrer instantaneamente todo o corpo; sentindo as mãos geladas e os lábios, dominados por um tremor involuntário. Ela já imaginava o que aquela situação delineava; e a possibilidade de ser violentada por aqueles homens, só não lhe consumia em pânico absoluto, porque acreditava estar desviando o foco da agressão somente para si; livrando assim o filho amado, de qualquer sofrimento fatal.
Restabelecendo-se do choque inicial, retira a criança dos braços do outro rapaz, caminhando resignada até o quarto do filho, acomodando-o no berço, sem conseguir proferir uma única palavra.
Em seguida dirige-se ao próprio quarto, aproximando-se da cama conforme orientação do líder. Lá chegando, o líder da dupla, pede que se deite, tapando de imediato toda a extensão de seus lábios, também com uma fita adesiva. O comparsa mais jovem, não demora a entrar no quarto, acomodando uma sacola com objetos roubados da casa, no interior de uma mochila, que trazia presa às costas. O mais velho ordena a ele que pegue duas cordas bem grossas, dobradas no fundo da mochila, ordenando que amarrasse as mãos e pés de Suzana, imobilizando-a firmemente à cama, de modo a tornar inviável, qualquer tentativa de reação capaz de atrapalhar o procedimento.
Olhar inquieto, a mulher acompanha toda a movimentação dos invasores, com total perplexidade.
- Até que essa coroa, ainda dá um bom caldo! - comenta o jovem depois de amarrá-la; sentando-se na beira da cama. Ele começa a acariciar-lhe lentamente a suave textura do rosto, como se tentasse memorizar pelo tato, toda a maciez daquela pele; descendo os dedos pelo pescoço, até a altura do decote da blusa. Fitando-a, aventurou-se pelo contorno do seio de forma mais ousada e vigorosa. Suzana o encarou dentro dos olhos, expressando um ódio contido; desejando que ele não esquecesse da humilhação que vivenciava e certamente, lhe daria forças um dia para alcançá-lo, na forma da mais fria vingança.
- Chega! Não é por isso que estamos aqui. - ordena o líder, pressionando agressivamente a nuca do companheiro, fazendo-o contorcer os lábios de dor, pouco antes de se levantar.
Com o afastamento do parceiro, o mais velho torna a guardar a arma atrás da cintura, direcionando-se até a mochila, enquanto o outro mascarado o observa, resmungando contrariado, sem a coragem necessária para enfrentá-lo.
Suzana mal experimenta a oportunidade de recompor-se aliviada, ao perceber que a tentativa de estupro não teria prosseguimento; quando avista um longo e pesado objeto de metal e madeira, ser retirado da mochila, assemelhando-se a uma rústica marreta; daquelas utilizadas em canteiros de obras.
A máscara usada por ele, não possibilitava a Suzana, identificar qualquer expressão em sua inalterada fisionomia; o que lhe causava ima aterradora aflição ao observar aquele distanciamento inumano, que acompanhava suas ações.
Fazendo um sinal para o parceiro, este retorna ao seu lado na cama. segurando-lhe os braços, sem apertá-los; preparando-a para um acontecimento inevitável. Antes de Suzana desviar o olhar para o líder, viu aquele pesado objeto ser suspenso abruptamente ao ar e descer numa velocidade surpreendente, golpeando-a em um dos joelhos, como se quebrasse uma noz. O grito, abafado pela larga fita fixada aos lábios, salientou as veias do pescoço, como se fossem explodir, em meio as pálpebras crispadas e ao tom rubro, que dominou todo o seu semblante. As lágrimas começaram a descer copiosamente do canto dos olhos, acompanhada por uma sensação de vertigem. Ela não conseguiu abri-los novamente, antes de sentir o próximo impacto no outro joelho. Desta vez as pálpebras se abriram, dando a impressão de que os olhos saltariam das órbitas, simultaneamente a um combalido grunhido, que antecipou a completa perda dos sentidos.
Em alguns segundos, um mórbido silêncio, ocupou todas as dimensões daquele quarto.
A mãe contempla aterrorizada, a imagem do outro invasor, colocando uma fita adesiva na boca da criança, para depois ajeitá-la em seu colo, à medida em que se acomodava no sofá.
- Vou tirar a mão de sua boca e espero de coração, que não bote tudo a perder, ok?
- Suzana meneia a cabeça, de forma assertiva, dando a entender que iria colaborar com a orientação. Ele no entanto, apesar de se distanciar um pouco dela, permanece apontando a arma na direção de sua cabeça.
- Por favor, o que vocês querem de mim? Podem levar tudo; eu não vou reagir. Mas parem de ameaçar o meu filhinho. - implora Suzana.
- Não faremos mal a ele. As coisas podem rolar muito rápido! Só vai depender de você. Pode ir até lá, pegar seu filho no colo e levá-lo para o quartinho dele, fechando a porta em seguida. Aí poderemos ficar a sós com você.
Suzana percebe um arrepio percorrer instantaneamente todo o corpo; sentindo as mãos geladas e os lábios, dominados por um tremor involuntário. Ela já imaginava o que aquela situação delineava; e a possibilidade de ser violentada por aqueles homens, só não lhe consumia em pânico absoluto, porque acreditava estar desviando o foco da agressão somente para si; livrando assim o filho amado, de qualquer sofrimento fatal.
Restabelecendo-se do choque inicial, retira a criança dos braços do outro rapaz, caminhando resignada até o quarto do filho, acomodando-o no berço, sem conseguir proferir uma única palavra.
Em seguida dirige-se ao próprio quarto, aproximando-se da cama conforme orientação do líder. Lá chegando, o líder da dupla, pede que se deite, tapando de imediato toda a extensão de seus lábios, também com uma fita adesiva. O comparsa mais jovem, não demora a entrar no quarto, acomodando uma sacola com objetos roubados da casa, no interior de uma mochila, que trazia presa às costas. O mais velho ordena a ele que pegue duas cordas bem grossas, dobradas no fundo da mochila, ordenando que amarrasse as mãos e pés de Suzana, imobilizando-a firmemente à cama, de modo a tornar inviável, qualquer tentativa de reação capaz de atrapalhar o procedimento.
Olhar inquieto, a mulher acompanha toda a movimentação dos invasores, com total perplexidade.
- Até que essa coroa, ainda dá um bom caldo! - comenta o jovem depois de amarrá-la; sentando-se na beira da cama. Ele começa a acariciar-lhe lentamente a suave textura do rosto, como se tentasse memorizar pelo tato, toda a maciez daquela pele; descendo os dedos pelo pescoço, até a altura do decote da blusa. Fitando-a, aventurou-se pelo contorno do seio de forma mais ousada e vigorosa. Suzana o encarou dentro dos olhos, expressando um ódio contido; desejando que ele não esquecesse da humilhação que vivenciava e certamente, lhe daria forças um dia para alcançá-lo, na forma da mais fria vingança.
- Chega! Não é por isso que estamos aqui. - ordena o líder, pressionando agressivamente a nuca do companheiro, fazendo-o contorcer os lábios de dor, pouco antes de se levantar.
Com o afastamento do parceiro, o mais velho torna a guardar a arma atrás da cintura, direcionando-se até a mochila, enquanto o outro mascarado o observa, resmungando contrariado, sem a coragem necessária para enfrentá-lo.
Suzana mal experimenta a oportunidade de recompor-se aliviada, ao perceber que a tentativa de estupro não teria prosseguimento; quando avista um longo e pesado objeto de metal e madeira, ser retirado da mochila, assemelhando-se a uma rústica marreta; daquelas utilizadas em canteiros de obras.
A máscara usada por ele, não possibilitava a Suzana, identificar qualquer expressão em sua inalterada fisionomia; o que lhe causava ima aterradora aflição ao observar aquele distanciamento inumano, que acompanhava suas ações.
Fazendo um sinal para o parceiro, este retorna ao seu lado na cama. segurando-lhe os braços, sem apertá-los; preparando-a para um acontecimento inevitável. Antes de Suzana desviar o olhar para o líder, viu aquele pesado objeto ser suspenso abruptamente ao ar e descer numa velocidade surpreendente, golpeando-a em um dos joelhos, como se quebrasse uma noz. O grito, abafado pela larga fita fixada aos lábios, salientou as veias do pescoço, como se fossem explodir, em meio as pálpebras crispadas e ao tom rubro, que dominou todo o seu semblante. As lágrimas começaram a descer copiosamente do canto dos olhos, acompanhada por uma sensação de vertigem. Ela não conseguiu abri-los novamente, antes de sentir o próximo impacto no outro joelho. Desta vez as pálpebras se abriram, dando a impressão de que os olhos saltariam das órbitas, simultaneamente a um combalido grunhido, que antecipou a completa perda dos sentidos.
Em alguns segundos, um mórbido silêncio, ocupou todas as dimensões daquele quarto.
DOIS ANOS DEPOIS
Capítulo I
- Pode dedicar este para a minha mãe? É aniversário dela e gostaria de lhe fazer uma surpresa.
- Claro! Como ela se chama?
- Marília.
A jovem, de esmerada caligrafia, elabora a mensagem em poucos segundos, caprichando na assinatura, antes do sorriso ingênuo, visivelmente emocionada, diante de sua leitora. A moça agradece, afastando-se para retornar ao grupo de amigas, que já carregavam os seus exemplares.
A autora era uma linda adolescente, de olhar irrequieto, transparente de genuína alegria, por ter a chance de vivenciar a magia daquele acontecimento que a fazia se sentir uma verdadeira contadora de histórias. Sentado a seu lado, a mão adulta e afetuosa do querido padrasto, repousa sobre a sua, murmurando discretamente ao seu ouvido.
- Aproveite, meu bem. Momentos felizes como este, não acontecem todos os dias.
Mais adiante aquele grupo de amigas, apreciavam a encantadora dedicatória, escrita especialmente para a mãe de uma delas; ao mesmo tempo em que não desviavam a atença~da mesa de autógrafos, tecendo comentários sobre a história de vida da autora adolescente.
- É impressionante como a família sobreviveu a toda aquela tragédia.
- Do que está falando?
- Ora, vai dizer que já esqueceu. Foi manchete em todos os jornais e viralizou na web a uns dois anos atrás. A mãe sofreu um ataque perverso de delinquentes mascarados, em plena noite de Halloween.
- Juro que não fiquei sabendo. Vim com vocês até aqui hoje, só para fazer companhia. Então, peguei o livro na entrada da livraria, dei uma boa olhada e o texto me cativou logo na primeira página. É uma fábula maravilhosa. Por isso resolvi também levar mais um exemplar, de presente para minha mãe. Ela gosta dessa atmosfera de conto de fadas moderno. Mas agora, me deixou curiosa. O que de fato aconteceu?
Uma outra amiga responde, interrompendo a explanação da primeira.
- Sabe aquela onda de jovens fanáticos que se vestiam de palhaços assustadores, abordando aleatoriamente pessoas pelas ruas no meio da noite?! Pois então. As autoridades mais uma vez, não tomaram as rédeas da situação, assim que as primeiras denúncias apareceram. O resultado acabou sendo de uma série de ocorrências violentas, em vários bairros da cidade. A primeira de maior repercussão, foi o que aconteceu a esta família, no dia das bruxas! Invadiram a casa; ameaçaram a mulher e o bebê; e para tornar o desfecho ainda mais dramático, um desses palhaços diabólicos, quebrou os joelhos da pobre mãe, num ato gratuito de pura maldade, mesmo depois de cometerem o assalto, sem que a dona da casa, sequer reagisse. Facínoras!
- "Fa", o que?
- Deixa pra lá! - intervém a outra amiga. - Parece que o charmoso padrasto que está ali ao lado da menina, havia saído com ela aquela noite, para levá-la a sua primeira festa de Halloween, no clube, próximo ao colégio onde a menina estudava. Quando retornaram, encontraram a pobre mulher ainda desfalecida na cama; e o filho menor em estado de choque, encolhido em posição fetal no chão do seu quarto. Ele deve fazer três aninhos este ano. Apesar de tudo, considero um milagre, conseguirem estar aqui hoje juntos, celebrando a vida.
- Então, a senhora ali, na cadeira de rodas, é a mãe da jovem escritora?
- Exatamente. - concorda a amiga. Aquela mulher de olhar vazio, parecendo estar alheia a tudo a seu redor; é a mãe dela. Imagino que até hoje, deve tomar medicação controlada, para poder enfrentar a depressão. - complementa, compadecendo-se da situação da vítima.
- Espero que um dia, esta bela família consiga se libertar das sequelas daquela noite terrível. - conclui aquela que acabara de ter seu exemplar autografado.
Vinícius contemplava orgulhoso todo o encantamento que fluía naturalmente, do semblante da adolescente; ao estar realizando seu grande sonho: conseguir publicar suas histórias. Vê-la no lançamento do primeiro livro, compartilhando toda riqueza criativa, até então guardada em segredo, como uma preciosa jóia, pronta a ser descoberta pelo mundo, também significava para ele o reconhecimento de uma vitória existencial. Seus olhos, acompanhando o público que estava na fila, ou que simplesmente circulava pelo salão, não podiam ignorar, mesmo a distancia, a linguagem corporal de algumas pessoas, que zelando pelo tom reservado de seus comentários, não conseguiam desviar o olhar da mulher presa a cadeira de rodas, entregue a uma delicada condição psicológica; aparentando total indiferença ao que se passava a sua volta.
Nesse instante, Vinícius começou a divagar em suas recordações; imaginando como teria sido diferente o destino daquela doce menina, se não tivesse aparecido na vida daquela família, modificando para sempre o relacionamento de Christinne com a própria mãe.
Lembrou do tempo em que acabara de concluir a Faculdade de Direito e já dividia uma sala no Centro da cidade, com o melhor amigo de turma, cuidando dos assuntos referente à Vara de Família, tendo feito sua tese de mestrado, versando sobre a síndrome de alienação parental. O sócio se dedicava á área criminal; o que não deixava de ser uma circunstancia inusitada, uma vez que Vinícius trabalhou muito tempo na polícia militar, chegando ao posto de primeiro sargento, atuando na zona oeste do Rio. Colegas de faculdade achavam que seu caminho natural seria advogar na promotoria. Mas Vinícius sempre tivera uma atenção especial pela complexidade das relações familiares. No ano em que concluíra a vida acadêmica, decidiu se afastar da atividade policial, dedicando-se a construção de uma nova carreira. Conhecidos do seu círculo de amizade, costumavam comentar à "boca pequena", que muito do seu patrimônio pessoal fora acumulado, ao longo da estreita convivência e parceria, mantida com milicianos. Mas nunca nenhuma denúncia formal fora apresentada, capaz de comprometer o histórico de sua conduta. Nessa época, morava na região da Taquara (Jacarepaguá), num prediozinho modesto de quatro pavimentos, com dois apartamentos por andar, tendo como vizinha uma temperamental profissional de enfermagem e suas duas crianças. A menina devia ter entre onze e doze anos e o mais novinho, pouco mais de um ano de idade. Apesar de considerar o entorno urbano bem tranquilo, usufruindo de uma compensadora sensação de segurança; o que mais incomodava Vinícius em sua moradia, eram as "paredes de papel" do apartamento, que supostamente preservavam a privacidade entre vizinhos. De qualquer cômodo da casa, especialmente da sala de estar, se podia ouvir tudo que se passava no quarto de filha da vizinha. A mãe, Suzana, chegava nitidamente estressada do emprego onde trabalhava como técnica de enfermagem de uma clínica psiquiátrica do município; e costumava concentrar todo seu descontentamento, nas cobranças absurdas que fazia em relação a filha, Christinne. Costumava responsabilizá-la por todo e qualquer problema que surgisse na administração da casa, durante sua ausência. Suas reclamações proclamadas em meio a acessos de raiva, típicos de uma mulher à beira de um ataque histérico, tinham como motivação desde uma louça mal lavada na pia da cozinha, até uma fralda cheirando a urina, do caçula; atribuindo uma cobrança anormal à Christinne, por não reparar sua falhas, antes de sua chegada. O trauma para a menina, ia além do impacto emocional pelas duras palavras maternas. Ocorriam castigos físicos, muitas vezes impossíveis de serem disfarçados à luz do dia. Christinne era uma garota triste, calada; mas de uma beleza cativante, natural à mulheres, que nasciam com almas de princesa. Vinícius ouvia tudo e se compadecia do choro contumaz da menina; trancada sozinha em seu quarto, no meio da madrugada. Quando a encontrou nos próximos dias, sembre se lembrava de trazer no bolso do paletó, algum doce ou souvenir, que despertasse em seu belo rosto, um breve sorriso de contentamento, aliado ao olhar esperançoso que lhe dirigia.Aos poucos, aqueles encontros ocasionais, convertiam-se em um duradouro laço de confiança entre amigos, de gerações tão diferentes. A mãe, apesar da constante instabilidade emocional, parecia fazer gosto naquela aproximação; não só porque se sentia envaidecida pelo tratamento dado à filha, mas por interpretar toda aquela gentileza, como uma tentativa de conquistar-lhe a atenção, de seduzi-la. o que acentuava seu interesse sexual em relação ao virtuoso vizinho; além de proporcionar maior oportunidade de dedicação ao bebê, fruto de uma saudosa segunda união de Suzana.
Quando começou a frequentar o apartamento da "atenciosa vizinha", Vinícius foi cautelosamente se inteirando das obscuras nuances daquele relacionamento entre mãe e filha. No fim da adolescência, Suzana viveu a primeira grande paixão de sua vida. Ele era um pouco mais velho e gozava de uma reputação muito bem sucedida como cantor de funk, apresentando-se em concorridos bailes, nas mais diversas comunidades da região, os pais, evangélicos, foram contra aquele envolvimento; mas ela estava decidida. Preferiu romper com a família, do que abrir mão da melhor chance de ser feliz. Moraram juntos durante algum tempo; período suficiente para que ela descobrisse, que o perfeito entrosamento sexual, bem como sua fidelidade absoluta a ele, não seriam suficientes para afastá-la da possibilidade da traição; que já perseguia suas idéias, mergulhando-a numa opressora desconfiança, a partir do momento em que foram morar juntos. Sabendo da veneração que nutria por ele, já não fazia a menor questão de manter sua conduta infiel no anonimato. Suzana o pegara na própria cama de casa, com duas outras mulheres, que alegavam tê-lo conhecido nos bailes, tornando-se fãs e amantes. O conflito quase foi parar na delegacia, rendendo a Suzana uma ameaça da parte dele, de que se fizesse outro escândalo como aquele, iria abandoná-la definitivamente. Auto estima abalada, temendo perdê-lo para sempre, decidiu engravidar em segredo, pensando que talvez um último laço afetivo, seria capaz de mantê-lo por perto, até conseguir reconquistá-lo. Mas ao surpreendê-lo com a notícia, considerando que a ideia de ser pai, poderia modificar seu irresponsável estilo de vida, acabou deparando-se com mais uma decepção. Depois de uma discussão violenta, onde quase fora agredida fisicamente, o namorado arrumara as suas coisas e a expulsara de casa; chegando a oferecer um "bolo de dinheiro", que guardava no fundo falso de um armário, para que "desse um jeito naquela situação", insinuando que abortasse. Suzana traumatizada, fugiu desesperada, retornando a casa dos pais. Penalizados por seu sofrimento, resolveram aceitá-la de volta, com a condição de que levasse aquela gravidez até o fim. Suzana então, tentou recomeçar do zero, concentrando os esforços em concluir os estudos e matriculando-se num curso técnico de enfermagem, que frequentava no horário noturno. Mesmo depois do nascimento de Christinne, nada mudou nos seus planos, continuando a se dedicar ao futuro profissional, deixando de lado o papel de mãe. Os avós é que acabaram cuidando do bebê. A falta de disponibilidade devido a rotina de trabalho e aos estudos acadêmicos, na faculdade de enfermagem, mascaravam a incontornável rejeição de assumir um afetivo compromisso materno.
Quatro anos depois, já formada, veio a conhecer em um de seus inúmeros plantões hospitalares, um jovem médico residente, Felipe. O assédio, a princípio ignorado por ela, foi se transformando numa atraente convivência; principalmente pela gentileza e paciência demonstrada por Felipe, quebrando toda e qualquer resistência que a impedia de se entregar à possibilidade de um novo amor. O destino natural apontava para um namoro sério, que poderia mudar a perspectiva de vida de Suzana. Até os pais, tão exigentes, passaram a fazer gosto naquela união. Do casamento à saída da casa dos pais, para o novo apartamento onde se encontrava; passando pela bem vinda gravidez do segundo filho; tudo fluía para Suzana numa rapidez surpreendente. típica percepção de quem anseia por momentos felizes, na mesma proporção em que teme perdê-los de seu alcance.
As coisas pareciam querer entrar nos eixos, conforme ela mesma confessou a Vinícius, na primeira vez em que desabafou com ele. Mas oito meses após o nascimento do caçula, uma dramática reviravolta em seu roteiro de vida, voltou a retirá-la de sua zona de conforto emocional. Durante mais um dia comum no cotidiano profissional do marido; deslocando-se de carro para um dos hospitais onde prestava atendimento; fora surpreendido na Avenida Brasil, pela ocorrência de um incidente violento entre policiais e criminosos, durante uma tentativa de "arrastão".
Na primeira noite que passaram juntos, Suzana contou a Vinícius, que ao assistir a reportagem na televisão, mostrando vários automóveis procurando escapar na contra mão; pessoas em pânico abandonando os veículos, ao som de disparos em profusão, que pareciam jogar "roleta russa" com a vida de suas prováveis vítimas; imaginou o que teria passado pela mente do marido, segundos antes de ter sido alvejado mortalmente, ainda dentro do carro, sem qualquer chance de reação. Do dia para noite, toda a esperança de uma união duradoura; todas as promessas e expectativas capazes de pautar um harmonioso script existencial, eram desfeitas pelo imprevisível caos do mundo exterior. A depressão voltara, inibindo inclusive, a recente tentativa de reaproximação com a filha. O único antídoto contra a intolerância e passionalidade de sua rotina doméstica, vinha quando estava na presença do filho mais novo, símbolo de tudo que havia de mais puro e verdadeiro para o seu futuro. Suzana admitiu ser a primeira vez, que dividia este sentimento com alguém. Depois de tanto tempo sozinha, no último andar daquele prédio; agora tinha a figura de um amável vizinho, com quem podia compartilhar suas confidências.
Fragmentos dessas e muitas outras conversas que tivera na intimidade com Suzana, continuavam a surgir espontaneamente na lembrança, fazendo com que Vinícius perdesse o atual contato com o transcorrer dos acontecimentos, durante aquela bela tarde de autógrafos, que proporcionara a enteada.
Nesse instante, veio a sua mente, a primeira conversa que mantivera com Christinne, "colando" uma das faces à frágil parede principal da sala de estar. Ela chorava baixinho, solitária em seu quarto, após levar uma surra da mãe, que a golpeara pelo corpo, com uma velha toalha de banho, instrumentalizada na forma de um chicote. Em seguida, a mãe saia com o bebê, deixando-a trancada no quarto. Nesse dia, numa voz embargada pela mágoa e soluçando de aflição, a adolescente confessou não aguentar mais; e que se Deus tivesse piedade dela, que não a fizesse acordar na manhã seguinte. Vinícius percebeu uma lágrima involuntária, escorrer pela sua face, assim que revisitou esta cena na lembrança. Na ocasião, ficou mais de uma hora consolando-a, utilizando unicamente o calor de sua voz e a credibilidade de suas palavras, para demovê-la daquele pensamento. Prometeu a Christinne a partir daquele momento,que não mais se sentiria abandonada. Faria tudo para entrar definitivamente na vida daquela família e compensá-la de todo o sofrimento, causado pela mãe; nem que para isso tivesse de conquistar os sentimentos daquela mulher, a fim de que seu coração estivesse mais perto da menina, dando todo o amor que lhe fora negado.
"- Você confia em mim?" - perguntou de forma afetuosa e contundente, enquanto a voz de Christinne parecia adquirir um novo frescor, reanimada pela esperança.
"- Confio. Vou precisar muito de você na minha vida".
- Vinícius!... Pai?...
- O que? - indagou sobressaltado, como se despertasse de um transe. - Oi, minha querida; terminou?
A jovem sorriu acariciando-lhe os cabelos.
- Assinei o último livro ainda agora. Vou me despedir da Carol e da Jéssica; e então, podemos ir.
- Sem dúvida; você é que manda. A noite está só começando. Que tal jantarmos fora?
- Não sei. Tem a mamãe!... Acho que ela já está cansada. Ficou muito tempo fora de casa. Olha só pra ela! Parece tensa.
- Christinne, não imagine coisas. Sabe tão bem quanto eu, que já faz duas semanas, que o estado dela se agravou. É típico do quadro catatônico. Ela vive dentro do seu pequeno mundo interior e apesar de não haver danos sensoriais; ela simplesmente não reage à percepção externa. O médico explicou para nós, lembra?
- Talvez tenha razão. Mas e o meu irmãozinho? Será que a babá está cuidando bem dele?
- Vou ligar para ela, assim que chegarmos ao restaurante.
- Tudo bem então. Vamos jantar num lugarzinho bem aconchegante.
- Só tem uma condição...
- Qual?
- Que me chame de pai, novamente.
- Ai, que fofo! Está carente, Vinícius?
- Não precisa chamar sempre, se não quiser. Mas de vez em quando, faz bem ouvir.
Christinne cobre seu rosto de vários "selinhos", antes de fitá-lo nos olhos.
- Sabe que eu te amo.
Lembrou do tempo em que acabara de concluir a Faculdade de Direito e já dividia uma sala no Centro da cidade, com o melhor amigo de turma, cuidando dos assuntos referente à Vara de Família, tendo feito sua tese de mestrado, versando sobre a síndrome de alienação parental. O sócio se dedicava á área criminal; o que não deixava de ser uma circunstancia inusitada, uma vez que Vinícius trabalhou muito tempo na polícia militar, chegando ao posto de primeiro sargento, atuando na zona oeste do Rio. Colegas de faculdade achavam que seu caminho natural seria advogar na promotoria. Mas Vinícius sempre tivera uma atenção especial pela complexidade das relações familiares. No ano em que concluíra a vida acadêmica, decidiu se afastar da atividade policial, dedicando-se a construção de uma nova carreira. Conhecidos do seu círculo de amizade, costumavam comentar à "boca pequena", que muito do seu patrimônio pessoal fora acumulado, ao longo da estreita convivência e parceria, mantida com milicianos. Mas nunca nenhuma denúncia formal fora apresentada, capaz de comprometer o histórico de sua conduta. Nessa época, morava na região da Taquara (Jacarepaguá), num prediozinho modesto de quatro pavimentos, com dois apartamentos por andar, tendo como vizinha uma temperamental profissional de enfermagem e suas duas crianças. A menina devia ter entre onze e doze anos e o mais novinho, pouco mais de um ano de idade. Apesar de considerar o entorno urbano bem tranquilo, usufruindo de uma compensadora sensação de segurança; o que mais incomodava Vinícius em sua moradia, eram as "paredes de papel" do apartamento, que supostamente preservavam a privacidade entre vizinhos. De qualquer cômodo da casa, especialmente da sala de estar, se podia ouvir tudo que se passava no quarto de filha da vizinha. A mãe, Suzana, chegava nitidamente estressada do emprego onde trabalhava como técnica de enfermagem de uma clínica psiquiátrica do município; e costumava concentrar todo seu descontentamento, nas cobranças absurdas que fazia em relação a filha, Christinne. Costumava responsabilizá-la por todo e qualquer problema que surgisse na administração da casa, durante sua ausência. Suas reclamações proclamadas em meio a acessos de raiva, típicos de uma mulher à beira de um ataque histérico, tinham como motivação desde uma louça mal lavada na pia da cozinha, até uma fralda cheirando a urina, do caçula; atribuindo uma cobrança anormal à Christinne, por não reparar sua falhas, antes de sua chegada. O trauma para a menina, ia além do impacto emocional pelas duras palavras maternas. Ocorriam castigos físicos, muitas vezes impossíveis de serem disfarçados à luz do dia. Christinne era uma garota triste, calada; mas de uma beleza cativante, natural à mulheres, que nasciam com almas de princesa. Vinícius ouvia tudo e se compadecia do choro contumaz da menina; trancada sozinha em seu quarto, no meio da madrugada. Quando a encontrou nos próximos dias, sembre se lembrava de trazer no bolso do paletó, algum doce ou souvenir, que despertasse em seu belo rosto, um breve sorriso de contentamento, aliado ao olhar esperançoso que lhe dirigia.Aos poucos, aqueles encontros ocasionais, convertiam-se em um duradouro laço de confiança entre amigos, de gerações tão diferentes. A mãe, apesar da constante instabilidade emocional, parecia fazer gosto naquela aproximação; não só porque se sentia envaidecida pelo tratamento dado à filha, mas por interpretar toda aquela gentileza, como uma tentativa de conquistar-lhe a atenção, de seduzi-la. o que acentuava seu interesse sexual em relação ao virtuoso vizinho; além de proporcionar maior oportunidade de dedicação ao bebê, fruto de uma saudosa segunda união de Suzana.
Quando começou a frequentar o apartamento da "atenciosa vizinha", Vinícius foi cautelosamente se inteirando das obscuras nuances daquele relacionamento entre mãe e filha. No fim da adolescência, Suzana viveu a primeira grande paixão de sua vida. Ele era um pouco mais velho e gozava de uma reputação muito bem sucedida como cantor de funk, apresentando-se em concorridos bailes, nas mais diversas comunidades da região, os pais, evangélicos, foram contra aquele envolvimento; mas ela estava decidida. Preferiu romper com a família, do que abrir mão da melhor chance de ser feliz. Moraram juntos durante algum tempo; período suficiente para que ela descobrisse, que o perfeito entrosamento sexual, bem como sua fidelidade absoluta a ele, não seriam suficientes para afastá-la da possibilidade da traição; que já perseguia suas idéias, mergulhando-a numa opressora desconfiança, a partir do momento em que foram morar juntos. Sabendo da veneração que nutria por ele, já não fazia a menor questão de manter sua conduta infiel no anonimato. Suzana o pegara na própria cama de casa, com duas outras mulheres, que alegavam tê-lo conhecido nos bailes, tornando-se fãs e amantes. O conflito quase foi parar na delegacia, rendendo a Suzana uma ameaça da parte dele, de que se fizesse outro escândalo como aquele, iria abandoná-la definitivamente. Auto estima abalada, temendo perdê-lo para sempre, decidiu engravidar em segredo, pensando que talvez um último laço afetivo, seria capaz de mantê-lo por perto, até conseguir reconquistá-lo. Mas ao surpreendê-lo com a notícia, considerando que a ideia de ser pai, poderia modificar seu irresponsável estilo de vida, acabou deparando-se com mais uma decepção. Depois de uma discussão violenta, onde quase fora agredida fisicamente, o namorado arrumara as suas coisas e a expulsara de casa; chegando a oferecer um "bolo de dinheiro", que guardava no fundo falso de um armário, para que "desse um jeito naquela situação", insinuando que abortasse. Suzana traumatizada, fugiu desesperada, retornando a casa dos pais. Penalizados por seu sofrimento, resolveram aceitá-la de volta, com a condição de que levasse aquela gravidez até o fim. Suzana então, tentou recomeçar do zero, concentrando os esforços em concluir os estudos e matriculando-se num curso técnico de enfermagem, que frequentava no horário noturno. Mesmo depois do nascimento de Christinne, nada mudou nos seus planos, continuando a se dedicar ao futuro profissional, deixando de lado o papel de mãe. Os avós é que acabaram cuidando do bebê. A falta de disponibilidade devido a rotina de trabalho e aos estudos acadêmicos, na faculdade de enfermagem, mascaravam a incontornável rejeição de assumir um afetivo compromisso materno.
Quatro anos depois, já formada, veio a conhecer em um de seus inúmeros plantões hospitalares, um jovem médico residente, Felipe. O assédio, a princípio ignorado por ela, foi se transformando numa atraente convivência; principalmente pela gentileza e paciência demonstrada por Felipe, quebrando toda e qualquer resistência que a impedia de se entregar à possibilidade de um novo amor. O destino natural apontava para um namoro sério, que poderia mudar a perspectiva de vida de Suzana. Até os pais, tão exigentes, passaram a fazer gosto naquela união. Do casamento à saída da casa dos pais, para o novo apartamento onde se encontrava; passando pela bem vinda gravidez do segundo filho; tudo fluía para Suzana numa rapidez surpreendente. típica percepção de quem anseia por momentos felizes, na mesma proporção em que teme perdê-los de seu alcance.
As coisas pareciam querer entrar nos eixos, conforme ela mesma confessou a Vinícius, na primeira vez em que desabafou com ele. Mas oito meses após o nascimento do caçula, uma dramática reviravolta em seu roteiro de vida, voltou a retirá-la de sua zona de conforto emocional. Durante mais um dia comum no cotidiano profissional do marido; deslocando-se de carro para um dos hospitais onde prestava atendimento; fora surpreendido na Avenida Brasil, pela ocorrência de um incidente violento entre policiais e criminosos, durante uma tentativa de "arrastão".
Na primeira noite que passaram juntos, Suzana contou a Vinícius, que ao assistir a reportagem na televisão, mostrando vários automóveis procurando escapar na contra mão; pessoas em pânico abandonando os veículos, ao som de disparos em profusão, que pareciam jogar "roleta russa" com a vida de suas prováveis vítimas; imaginou o que teria passado pela mente do marido, segundos antes de ter sido alvejado mortalmente, ainda dentro do carro, sem qualquer chance de reação. Do dia para noite, toda a esperança de uma união duradoura; todas as promessas e expectativas capazes de pautar um harmonioso script existencial, eram desfeitas pelo imprevisível caos do mundo exterior. A depressão voltara, inibindo inclusive, a recente tentativa de reaproximação com a filha. O único antídoto contra a intolerância e passionalidade de sua rotina doméstica, vinha quando estava na presença do filho mais novo, símbolo de tudo que havia de mais puro e verdadeiro para o seu futuro. Suzana admitiu ser a primeira vez, que dividia este sentimento com alguém. Depois de tanto tempo sozinha, no último andar daquele prédio; agora tinha a figura de um amável vizinho, com quem podia compartilhar suas confidências.
Fragmentos dessas e muitas outras conversas que tivera na intimidade com Suzana, continuavam a surgir espontaneamente na lembrança, fazendo com que Vinícius perdesse o atual contato com o transcorrer dos acontecimentos, durante aquela bela tarde de autógrafos, que proporcionara a enteada.
Nesse instante, veio a sua mente, a primeira conversa que mantivera com Christinne, "colando" uma das faces à frágil parede principal da sala de estar. Ela chorava baixinho, solitária em seu quarto, após levar uma surra da mãe, que a golpeara pelo corpo, com uma velha toalha de banho, instrumentalizada na forma de um chicote. Em seguida, a mãe saia com o bebê, deixando-a trancada no quarto. Nesse dia, numa voz embargada pela mágoa e soluçando de aflição, a adolescente confessou não aguentar mais; e que se Deus tivesse piedade dela, que não a fizesse acordar na manhã seguinte. Vinícius percebeu uma lágrima involuntária, escorrer pela sua face, assim que revisitou esta cena na lembrança. Na ocasião, ficou mais de uma hora consolando-a, utilizando unicamente o calor de sua voz e a credibilidade de suas palavras, para demovê-la daquele pensamento. Prometeu a Christinne a partir daquele momento,que não mais se sentiria abandonada. Faria tudo para entrar definitivamente na vida daquela família e compensá-la de todo o sofrimento, causado pela mãe; nem que para isso tivesse de conquistar os sentimentos daquela mulher, a fim de que seu coração estivesse mais perto da menina, dando todo o amor que lhe fora negado.
"- Você confia em mim?" - perguntou de forma afetuosa e contundente, enquanto a voz de Christinne parecia adquirir um novo frescor, reanimada pela esperança.
"- Confio. Vou precisar muito de você na minha vida".
- Vinícius!... Pai?...
- O que? - indagou sobressaltado, como se despertasse de um transe. - Oi, minha querida; terminou?
A jovem sorriu acariciando-lhe os cabelos.
- Assinei o último livro ainda agora. Vou me despedir da Carol e da Jéssica; e então, podemos ir.
- Sem dúvida; você é que manda. A noite está só começando. Que tal jantarmos fora?
- Não sei. Tem a mamãe!... Acho que ela já está cansada. Ficou muito tempo fora de casa. Olha só pra ela! Parece tensa.
- Christinne, não imagine coisas. Sabe tão bem quanto eu, que já faz duas semanas, que o estado dela se agravou. É típico do quadro catatônico. Ela vive dentro do seu pequeno mundo interior e apesar de não haver danos sensoriais; ela simplesmente não reage à percepção externa. O médico explicou para nós, lembra?
- Talvez tenha razão. Mas e o meu irmãozinho? Será que a babá está cuidando bem dele?
- Vou ligar para ela, assim que chegarmos ao restaurante.
- Tudo bem então. Vamos jantar num lugarzinho bem aconchegante.
- Só tem uma condição...
- Qual?
- Que me chame de pai, novamente.
- Ai, que fofo! Está carente, Vinícius?
- Não precisa chamar sempre, se não quiser. Mas de vez em quando, faz bem ouvir.
Christinne cobre seu rosto de vários "selinhos", antes de fitá-lo nos olhos.
- Sabe que eu te amo.
Capítulo II
Já eram quase onze da noite, quando chegaram em casa. Uma propriedade ampla, daquelas construções antigas revitalizadas a partir de uma boa reforma, numa área residencial do Recreio dos Bandeirantes. O imóvel pertencia a Vinícius e a família se mudou para lá, tão logo decidiu viver com Suzana. Infelizmente, a memória do trágico acontecimento da noite de Halloween, ainda se fazia presente, na atmosfera da casa. Christinne, empurrava a cadeira de rodas calmamente, olhando por vezes, a fisionomia materna, em busca de algum sinal de lucidez, a fim de que pudesse compartilhar com ela, toda felicidade pelo lançamento de seu primeiro livro. Mas a expressão de Suzana permanecia inalterada, imersa em seu universo emocional bem particular.
Após estacionar o carro na garagem, Vinícius encaminhou-se a largos passos até a entrada, abrindo a porta e acendendo a luz da sala, para facilitar a passagem da menina, conduzindo sua mãe em segurança. Do quarto do caçula, se podia vislumbrar uma luz a escapar por debaixo da porta. Esta também se abre; e uma moça de uniforme branco surge de seu interior, trocando algumas palavras com Vinícius. Pelo que Christinne ouviu, o irmão acabou dormindo, assistindo televisão e a babá tratou de acomodá-lo prontamente, na cama. Vinícius na medida em que conclui a conversa, retira a carteira do bolso, pagando-lhe as horas de trabalho, para se despedir em seguida.
Do lado de fora, alguns relâmpagos anunciavam a possibilidade da chegada de um temporal por aquelas redondezas em poucas horas.
- Ainda bem que chegamos logo. Não suporto ficar vendo esses raios cortando o céu, ainda mais à noite. - comentou a menina, visivelmente ansiosa, quando finalmente se percebeu sozinha com o padrasto.
- Já disse que precisa aprender a enfrentar seus medos.
- Medo é uma coisa. Fobia é bem diferente.
- Que seja minha querida. Por isso existem os psicólogos. Se me permitir, marco com aquele amigo meu, que se formou na mesma universidade. O consultório é por aqui mesmo, no Recreio.
- Pode ser. Mas enquanto me fizer companhia lá no quarto, segurando minha mão até dormir; não imagino remédio melhor! - elogia, em tom bem humorado. Por mais legal que seja esse psicólogo, não vou ter por ele de início o mesmo grau de confiança, que hoje deposito em você.
- Obrigado, meu amor. Mas nem sempre estou por perto. E nessas horas, sei o quanto deve ser difícil controlar a tensão. Mas mudando de assunto, leve sua mãe para o quarto de casal. Vou escolher um blue ray bem interessante para assistir com você, até pegar no sono. Que tal?
- Show, Vinícius! Acabou de ler meus pensamentos. - concordou Christinne entregando-se a um largo sorriso.
Quando Christinne chegou em seu quarto, Vinícius já havia tirado a camisa e os sapatos, refastelando-se confortavelmente entre os macios e volumosos travesseiros na cama, entretendo-se ao teclar no controle remoto, realizando os ajustes de som e imagem do aparelho, a fim de garantir uma qualidade de reprodução impecável.
A adolescente se aproximou devagar e discretamente a porta do armário de roupas mantendo-o assim por alguns segundos, enquanto retirava a blusa e a saia, revelando a elegante e insinuante lingerie de coloração rosa, a delinear suavemente, o traçado curvilíneo de seu corpo. Quando fechou a porta do armário, ainda manteve as sandálias de salto alto, caminhando até a cama, em meio a clássica sonoridade que o calçado provocava sobre o assoalho de tábuas corridas. O toque rítmico dos passos, chamou a atenção de Vinícius; olhando-a de relance, sem conseguir voltar o foco de imediato, para a panorâmica tela de TV.
- O que foi, estou tão feia assim?
Ele notou ter ficado ruborizado, com a provocativa brincadeira.
- Claro que não. Você está linda como sempre. Pode vestir alguma coisa, porque o filme ainda não começou.
- Mas estou vestida! É assim que durmo nas noites quentes de primavera. Quando fico sozinha, prefiro dormir sem roupa nenhuma. Mas achei que poderia deixá-lo sem graça. Pelo visto não adiantou nada. - complementou Christinne, rindo alto e atirando-se na cama, com aquele jeitinho moleque, de quem adora brincar com as palavras.
Nesse instante, Vinícius fingia ignorá-la, prestando atenção nos comerciais de outras prodições, que antecediam a exibição do filme.
- O que vamos ver?
- Toy Story. - reponde prontamente, com um sorriso debochado.
- Fala sério; não sou mais criança! - alega a adolescente, empurrando o ombro dele divertidamente, ao esboçar um sorriso franco e acolhedor.
- Tudo bem. "A culpa é das estrelas"; aquele que adora rever.
- Muito triste... Me dá esse controle aqui. - diz ela, retirando o objeto das mãos de Vinícius e dando pause no aparelho. - Tenho um novo filme ainda guardado na minha bolsa. Comprei ontem, só para assistir com você: "Cinquenta Tons de Cinza"; que tal? - pergunta Christinne, abraçando-o ao mesmo tempo em que esconde o rosto em seu ombro, sem conter uma espontânea gargalhada.
Ele se deixa render à alegria contagiante da jovem, devolvendo-lhe o abraço, até que ambos se entreolham a uma curtíssima distância, ouvindo a respiração ansiosa um do outro. Ao silêncio circunstancial que parecia durar uma eternidade, em poucos instantes, segue-se um beijo roubado de Christinne; que logo é retribuído pelo segundo da parte de Vinícius; bem mais prolongado e arrebatador. A menina então, começa a acariciar seus cabelos, enroscando as coxas em torno de sua cintura, num frenesi de afagos e gemidos que prenunciam um autêntico encontro entre amantes. Quando os dedos macios e salientes dela, descem até a sua virilha, Vinícius faz menção de recuar, beijando-a rapidamente nos lábios, sentando-se na cama, meneando a cabeça para frente, ainda ofegante. A jovem acompanha seu afastamento com o olhar, erguendo-se entre os travesseiros.
- Desculpe, fiz alguma coisa errada?
- Não podemos continuar com isso.
- Eu sei que gosta de mim. Não adianta negar. Pensa que durante todo esse tempo, mesmo antes da mamãe ficar na cadeira de rodas, eu não reparava no jeito especial com que me olhava? Sempre fui a sua princesa e você, o meu herói. O único que conseguiu me enxergar de verdade, no meio de todo o pesadelo onde vivia
- Está confundindo os sentimentos. Você não me ama. É apenas gratidão.
- Não pode saber o que se passa dentro de mim. Eu já sou uma mulher. Fique sabendo que minha bisavó na idade que renho hoje, quatorze incompletos, casou-se com meu bisavô, que na época tinha trinta anos. Foi minha avó que me mostrou numa foto antiga, ela sentada no colo dele. As perninhas nem tocavam o chão.
Dessa vez, quem não conteve o acesso de rido, foi Vinícius.
- Acha que estou brincando? - indagou um tanto aborrecida, pelo padrasto parecer não dar crédito à sua história.
- Meu bem, ra uma outra época. Hoje em dia, seu pobre bisavô seria indiciado por abuso de vulnerável; tenha certeza disso. - esclareceu ele, conseguindo parar de rir e fitando-a com ternura.
- Eu te amo! Por isso é tão difícil chamá-lo de pai; respondendo a pergunta que me fez algumas horas atrás. Você é meu amigo, meu confessor e a partir desta noite, se não me desprezar, meu amante.
- Você fala como se sua mãe...
- Ela está doente, como deixou bem claro. Pensa que não observo as coisas? Antes mesmo daquela trágica noite, a relação entre vocês já não vinha bem. Quantas vezes o surpreendi dormindo na sala, depois de discussões, que normalmente aconteciam antes de irem para cama. Preferiam botar a culpa no estressante dia de trabalho; mas a verdade é que nunca houve amor. Vocês se amparavam um no outro. O jeito dela, eu já conhecia. Mas o que sentia por mim, fui descobrindo aos poucos. Quando deitava nessa cama, em noites de tempestade, só para me consolar, me proteger, até que eu dormisse. Cheirava meus cabelos, encostando o corpo de mansinho no meu, quando quase dormíamos de "conchinha". Só que várias vezes, eu fingi estar dormindo e adorava esse cuidado carinhoso que tinha comigo.
Vinícius permanecia calado, fitando-a como se estivesse hipnotizado por aquele jeitinho espontaneamente sedutor.
- Pode não ter controle sobre isso, minha querida; mas você é uma tentação demoníaca... - observa ele, alterando maliciosamente o tom de voz. - Está bem, eu confesso. Quero você, mais do que tudo. Vinha apenas aguardando o momento certo, para não assustá-la.
- Por que teria medo de você?
- Quando me aproximei da sua mãe, ela nunca esteve nos meus planos. Só desejava você. Via na sua fragilidade, um certo ar maduro de quem envelheceu por dentro, devido ao sofrimento, às perdas, que muto cedo teve de enfrentar. Eu que nunca me dei bem em relacionamentos com mulheres da minha faixa etária, vi em você, um projeto feminino no qual valia a pena investir. A perfeita combinação da ternura e cumplicidade da filha que nunca tive; com a sensualidade precoce, que incendiava as minhas fantasias; na mais completa e irrestrita intimidade sexual, que um homem poderia desejar. Christinne, o que começarmos esta noite, é para valer; não tem volta! Passaremos a ser um do outro, haja o que houver. Sem limites. E o mundo lá fora, que se dane!
A adolescente pela primeira vez, olhou para ele de uma maneira estranha, desconhecendo aquele lado autoritário de sua personalidade.
- O que foi? Por que está me olhando assim?
- Nada, é que... Não pensei que as coisas para você, fossem assim tão planejadas. Eu gosto da sua companhia. Não estaria aqui me declarando para você, se não quisesse que fosse o primeiro homem da minha vida. Mas fala como se eu fosse sua propriedade; um objeto precioso da sua coleção. Isso agora, me deixou preocupada...
- Esqueça; me expressei mal. Deve ser o cansaço. Dizem que fazer sexo com a pessoa amada, pode vir a ser uma excelente terapia.
Antes que ela dissesse qualquer coisa, Vinícius se aproxima, envolvendo-a num intenso abraço, projetando o corpo sobre o dela, na medida em que deslizava as mãos por sua pele mapeando insaciavelmente, o sútil relevo de suas curvas; com o toque inquieto, lascivo de seus dedos, abrigando-os no interior da calcinha; enquanto beijava-lhe o pescoço descendo a boca até o contorno dos seios, ainda ocultos pelo sutiã. Hábil e delicadamente retira a parte superior da lingerie, largando-a displicentemente sobre a cama, começando a navegar a língua e os lábios, sofregamente pelos mamilos. como quem se delicia com o doce néctar de uma fruta madura.
Christinne dessa vez, parecia retribuir mecanicamente as carícias. Seus olhos miravam o teto, tomados por uma tensão inesperada; pensando a melhor maneira de pedir para parar. Quando sentiu Vinícius descer-lhe a calcinha; num movimento brusco, semelhante a um espasmo, empurrou-lhe o corpo para o lado; e erguendo-se na cama, deparou-se com uma surpreendente presença, espreitando tudo o que acontecia entre os dois.
- Mas que diabo está acontecendo. - pergunta ele, visivelmente irritado, acompanhando-a no mesmo movimento. Mas ambos se calaram, diante de um acontecimento imprevisível.
Suzana, na cadeira de rodas, observa-os da entrada do quarto, portando um revólver suspenso em sua mão direita, mantendo-os sob sua mira, enquanto descansava sobre o colo um discreto laptop.
- Christinne, levanta dessa cama. Vista uma roupa qualquer. Minha conversa é com ele.
- Mãe; como a senhora...
- Já disse para levantar; não discuta! Quero você bem longe desse canalha.
A menina torna a vestir a calcinha, recolhe o sutiã, ocultando os seios com um dos braços, obedecendo a ordem materna.
O padrasto limita-se a fitar Suzana, ao esboçar um sorriso irônico, suspendendo o corpo e recostando-se.
- "Adivinha Quem Veio Para O Jantar". Este deveria ter sido o filme escolhido para noite a três; não é mesmo, Suzana? Para uma enfermeira, você está se saindo uma ótima atriz, nestas últimas semanas. Desde quando recuperou a consciência?
- Eu nunca surtei, meu caro. Enfermeiros que trabalham na área psiquiátrica, convivem todos os dias, com os mais variados tipos de loucura... Não se engane. Sabemos mais sobre psicopatologias na prática, do que qualquer psiquiatra inexperiente. Tipo aquele que você consultou sobre o meu caso. E confirmou exatamente, o laudo que eu esperava. Precisei fazer isso, para que você, sempre tão metódico começasse a se descuidar, achando que não precisava se preocupar comigo. Apostei na sua indiferença. O que acabou me salvando de tomar qualquer medicação desnecessária; já que sempre fez questão de assumir os cuidados com minha saúde. O protótipo do marido exemplar!
- E o que pensava lucrar com todo esse fingimento? Desmascarar um caso de amor proibido entre o respeitável padrasto e sua enteada? Olhe-se bem no espelho. Está inválida, inútil! Se antes já fazia um esforço enorme para transar com você, esperando que me aceitasse o mais breve possível na intimidade de sua família; agora que já ocupei um lugar no coração de sua filha; é que você não tem mais a menor chance.
- Vinícius, não fala assim com a minha mãe! - grita a menina, indignada.
- E quanto a você, para de ser capacho! Vai defender essa vagabunda, que nunca lhe teve amor?
- Não desafie minha paciência, Vinícius... - previne Suzana, engatilhando a arma, com o olhar crispado de ódio, embora procurando se manter centrada no objetivo. - Numa coisa você acertou. O fato de me tratar com falsa compaixão, não me procurando mais como mulher, aguçou meus ciúmes e a convicção de que estaria me traindo fora de casa; mais do que os cuidados que tinha por minha filha; me estimularam a investigar sua vida e testar sua honestidade, quando me percebi como "carta fora do baralho".
- Acha que me assusta, ostentando esse revólver para mim? Não deve brincar, com o que não sabe manusear. - adverte, ensaiando levantar-se da cama.
Nesse instante, um estampido seco, ecoa pelo quarto, acompanhado imediatamente por um grito de dor e o barulho de um corpo tombando sobre a estrutura da cama. O disparo da enfermeira foi certeiro, alvejando intencionalmente Vinícius, acima do coração, no ombro esquerdo.
- Pensa que só você tem segredos? Meu pai, aquele evangélico cabeça dura que conheceu, teve uma carreira no exército. Ensinou mãe e filha a manusear uma automática, sempre que tinha de viajar, nos deixando sozinhas em casa. A única diferença entre nós dois, Vinícius, é que meus segredos, pelo menos até agora, não são banhados em sangue. Lembra desse revólver?
- Do que está falando, mãe?
- Não dê ouvidos a esta louca! - intervém o padrasto, ainda se contorcendo de dor, tentando inutilmente, estancar com a outra mão, o sangramento no ombro.
- É o mesmo que tive apontado para a minha cabeça, naquela noite maldita. Filha, tira do meu colo este laptop e pode apoiar na beira da cama. Se ele bancar o engraçadinho novamente, vai ser a última coisa que vai fazer na vida.
- O que você quer que eu veja?
Suzana menciona para a menina a senha particular de acesso, indicando o caminho para os conteúdos descartados por Vinícius na lixeira da máquina; salientando o quanto o seu companheiro, julgava-se em segurança, acessando dados sigilosos a curta distância de sua presença, que observava discretamente a tudo da cadeira de rodas.
Christinne encontra um amplo histórico de acesso a material pornográfico; conversas no chat e marcações de atendimento com prostitutas. Havia também registro de gravações em vídeo doméstico, onde através de uma câmera escondida no quarto da adolescente, Vinícius mantinha vigilância de toda a sua intimidade. As lágrimas começaram a descer copiosamente pelo rosto de Christinne, na medida em que desnudava a autêntica e desprezível conduta do padrasto, a quem um dia entregara toda a sua confiança.
- Christinne, pare de olhar essas coisas. Não passam de fetiches, de fantasias masculinas, fora de contexto. Nada disso, tem a ver com o que sentimos um pelo outo.
A atenção da menina permanecia fixada à tela do computador, evitando olhar para ele, ignorando suas palavras. Repentinamente, se depara com outro vídeo, que não se assemelhava ao conteúdo dos anteriores. A conversa registrada pela webcam, usando o aplicativo messenger, atiçou sua curiosidade, no ímpeto de conhecer tudo que lhe escondera durante tanto tempo.
- "Fala chefia; já tá tudo no esquema."
- "Recebeu a encomenda que o guri do seu primo, levou? Quero os dois juntos nessa parada,"
- "Claro. O berro já tá comigo. Podia pelo menos, ter mandado uma automática."
- "Pistolas, são para profissionais (risos). Vou levar a ninfeta para a festinha; mas voltamos relativamente cedo. Vocês tem um intervalo de três horas, para oferecer um Halloween, inesquecível, àquela mulher. Nada de violência sexual, ouviu bem? Cumpram apenas o combinado. O depósito será feito, tão logo executem o serviço. E quero o meu revólver de volta, fui claro?"
- "Pode deixar, meu rei! Papo reto. Câmbio final. (risos)"
Quando as vozes se calaram, uma tensa atmosfera de imprevisibilidade psicológica, tomou conta do ambiente. Suzana foi a primeira a quebrar o silêncio.
- O lado obscuro da sua vida na polícia, jamais o abandonou, não é mesmo? Estes garotos, sempre estiveram na sua mão. Não se negariam a fazer um servicinho e ganhar uma grana fácil do seu protetor, para terem a garantia de uma vida fora da prisão. Só que você não gosta de deixar "pontas soltas". Matou eles; evitando assim qualquer chantagem futura. Por isso as investigações nunca avançaram, parecendo que estes jovens fossem fantasmas que apareceram naquela noite, apenas para me ensinar uma dura lição do destino. "Elementar, meu caro Vinícius!" - concluiu Suzana, esboçando um sorriso sarcástico.
Vinícius encarou as duas, sem demonstrar a menor iniciativa de se contrapor. Quando a adolescente fechou vagarosamente a tela do laptop, enxugando as lágrimas, procurando inibir o choro que ameaçava impedi-la de pronunciar qualquer palavra; respirou fundo e corajosamente redirecionou o olhar desiludido, para o homem que um dia escolheu amar.
- Sua grande vítima, não foi a minha mãe. Fui eu. Arrancou de dentro de mim, toda a esperança que ainda me restava, de uma vida feliz e digna. Como pôde ser tão frio, insensível e manipulador?
- Nada do que eu diga agora, vai mudar o que está pensando sobre mim. Mas quando for adulta; e infelizmente isto irá acontecer, destruindo toda a inocência pela qual me apaixonei; vai saber que o certo e o errado, não passam de mitos, criados para que a sociedade continue acreditando na falência de seus valores. "Isto que chamam de civilização, é apenas uma piada ruim". Acho que ouvi isto, em algum filme. E é a única verdade, na qual acredito.
- Monstro! Eu não tenho ideia do quanto ainda vou sofrer; mas nunca serei como você.
Suzana contempla a filha pensativa; sentindo uma emoção incomum, deixar-lhe os olhos marejados, antes de voltar a falar com ela.
- Christinne, eu assumo pela primeira vez, perante você, toda a culpa pelo seu sofrimento. Se existe alguém neste quarto, que mereça a punição divina, por ter originado as condições de abandono. frustração e inferioridade, capazes de permitir que um psicopata se infiltrasse em nosso decadente cotidiano familiar; esta pessoa sou eu. Não vou pedir seu perdão agora, porque sei que não sou merecedora. Mas as atitudes que virei a assumir, pela esperança de redenção, vão fazer com que um dia, me olhe de forma diferente.
- Mãe, u nunca vou deixá-la...
- Chega, minha filha. Teremos mais oportunidades para conversar do que imagina. Vá até o quarto do seu irmão, pegue-o no colo e fujam para casa de seus avós. Eles irão recebê-los de braços abertos.
- Mas e você? Preciso tirá-la daqui, também.
- Eu sei o que estou fazendo. Apenas obedeça sua mãe; por favor.
Enquanto a menina termina de se vestir, aproximando-se de Suzana para beijar-lhe a testa, olhando silenciosamente para o padrasto, numa desalentadora despedida; sirenes de polícia, começam a se tornar audíveis, conferindo a nítida impressão de que se aproximavam daquela redondeza. O vento sudoeste, anunciador de uma tempestade para aquela região, parecia ter seguido novo curso, desviando a turbulência atmosférica, para outros caminhos; a permitir que o céu continuasse a estampar um manso e reluzente véu de estrelas.
Sozinhos, face a face; quem quebrou o silêncio, foi Vinícius.
- Quer dizer, que a "mãe coragem", aposta na redenção? Pode esquecer. Somos uma continuidade medíocre de nossos erros. Ninguém muda. Apenas nos adaptamos, para continuar sobrevivendo. A polícia já deve estar chegando. Algum vizinho medroso deve ter chamado, quando ouviu aquele disparo. Acha que me colocando na cadeia, vai ter um minuto de paz nesse mundo? Vou caçá-la, nem que seja no inferno.
- Não foi o vizinho que alertou a polícia. Eu liguei para a central, antes de entrar neste quarto. E depois, quem disse que decidi chamá-los por sua causa? Estão vindo, apenas para me buscar.
Diante da súbita revelação, Vinícius como um animal acuado, experimenta uma derradeira investida, projetando-se ainda combalido, para fora da cama, na tentativa de dominá-la. Seguem-se dois disparos; na altura do rosto e da cabeça. O corpo tomba no assoalho, diante do olhar perdido de Suzana; descendo a arma sobre o colo e descansando os olhos, pelo cansaço.
- Tudo bem. "A culpa é das estrelas"; aquele que adora rever.
- Muito triste... Me dá esse controle aqui. - diz ela, retirando o objeto das mãos de Vinícius e dando pause no aparelho. - Tenho um novo filme ainda guardado na minha bolsa. Comprei ontem, só para assistir com você: "Cinquenta Tons de Cinza"; que tal? - pergunta Christinne, abraçando-o ao mesmo tempo em que esconde o rosto em seu ombro, sem conter uma espontânea gargalhada.
Ele se deixa render à alegria contagiante da jovem, devolvendo-lhe o abraço, até que ambos se entreolham a uma curtíssima distância, ouvindo a respiração ansiosa um do outro. Ao silêncio circunstancial que parecia durar uma eternidade, em poucos instantes, segue-se um beijo roubado de Christinne; que logo é retribuído pelo segundo da parte de Vinícius; bem mais prolongado e arrebatador. A menina então, começa a acariciar seus cabelos, enroscando as coxas em torno de sua cintura, num frenesi de afagos e gemidos que prenunciam um autêntico encontro entre amantes. Quando os dedos macios e salientes dela, descem até a sua virilha, Vinícius faz menção de recuar, beijando-a rapidamente nos lábios, sentando-se na cama, meneando a cabeça para frente, ainda ofegante. A jovem acompanha seu afastamento com o olhar, erguendo-se entre os travesseiros.
- Desculpe, fiz alguma coisa errada?
- Não podemos continuar com isso.
- Eu sei que gosta de mim. Não adianta negar. Pensa que durante todo esse tempo, mesmo antes da mamãe ficar na cadeira de rodas, eu não reparava no jeito especial com que me olhava? Sempre fui a sua princesa e você, o meu herói. O único que conseguiu me enxergar de verdade, no meio de todo o pesadelo onde vivia
- Está confundindo os sentimentos. Você não me ama. É apenas gratidão.
- Não pode saber o que se passa dentro de mim. Eu já sou uma mulher. Fique sabendo que minha bisavó na idade que renho hoje, quatorze incompletos, casou-se com meu bisavô, que na época tinha trinta anos. Foi minha avó que me mostrou numa foto antiga, ela sentada no colo dele. As perninhas nem tocavam o chão.
Dessa vez, quem não conteve o acesso de rido, foi Vinícius.
- Acha que estou brincando? - indagou um tanto aborrecida, pelo padrasto parecer não dar crédito à sua história.
- Meu bem, ra uma outra época. Hoje em dia, seu pobre bisavô seria indiciado por abuso de vulnerável; tenha certeza disso. - esclareceu ele, conseguindo parar de rir e fitando-a com ternura.
- Eu te amo! Por isso é tão difícil chamá-lo de pai; respondendo a pergunta que me fez algumas horas atrás. Você é meu amigo, meu confessor e a partir desta noite, se não me desprezar, meu amante.
- Você fala como se sua mãe...
- Ela está doente, como deixou bem claro. Pensa que não observo as coisas? Antes mesmo daquela trágica noite, a relação entre vocês já não vinha bem. Quantas vezes o surpreendi dormindo na sala, depois de discussões, que normalmente aconteciam antes de irem para cama. Preferiam botar a culpa no estressante dia de trabalho; mas a verdade é que nunca houve amor. Vocês se amparavam um no outro. O jeito dela, eu já conhecia. Mas o que sentia por mim, fui descobrindo aos poucos. Quando deitava nessa cama, em noites de tempestade, só para me consolar, me proteger, até que eu dormisse. Cheirava meus cabelos, encostando o corpo de mansinho no meu, quando quase dormíamos de "conchinha". Só que várias vezes, eu fingi estar dormindo e adorava esse cuidado carinhoso que tinha comigo.
Vinícius permanecia calado, fitando-a como se estivesse hipnotizado por aquele jeitinho espontaneamente sedutor.
- Pode não ter controle sobre isso, minha querida; mas você é uma tentação demoníaca... - observa ele, alterando maliciosamente o tom de voz. - Está bem, eu confesso. Quero você, mais do que tudo. Vinha apenas aguardando o momento certo, para não assustá-la.
- Por que teria medo de você?
- Quando me aproximei da sua mãe, ela nunca esteve nos meus planos. Só desejava você. Via na sua fragilidade, um certo ar maduro de quem envelheceu por dentro, devido ao sofrimento, às perdas, que muto cedo teve de enfrentar. Eu que nunca me dei bem em relacionamentos com mulheres da minha faixa etária, vi em você, um projeto feminino no qual valia a pena investir. A perfeita combinação da ternura e cumplicidade da filha que nunca tive; com a sensualidade precoce, que incendiava as minhas fantasias; na mais completa e irrestrita intimidade sexual, que um homem poderia desejar. Christinne, o que começarmos esta noite, é para valer; não tem volta! Passaremos a ser um do outro, haja o que houver. Sem limites. E o mundo lá fora, que se dane!
A adolescente pela primeira vez, olhou para ele de uma maneira estranha, desconhecendo aquele lado autoritário de sua personalidade.
- O que foi? Por que está me olhando assim?
- Nada, é que... Não pensei que as coisas para você, fossem assim tão planejadas. Eu gosto da sua companhia. Não estaria aqui me declarando para você, se não quisesse que fosse o primeiro homem da minha vida. Mas fala como se eu fosse sua propriedade; um objeto precioso da sua coleção. Isso agora, me deixou preocupada...
- Esqueça; me expressei mal. Deve ser o cansaço. Dizem que fazer sexo com a pessoa amada, pode vir a ser uma excelente terapia.
Antes que ela dissesse qualquer coisa, Vinícius se aproxima, envolvendo-a num intenso abraço, projetando o corpo sobre o dela, na medida em que deslizava as mãos por sua pele mapeando insaciavelmente, o sútil relevo de suas curvas; com o toque inquieto, lascivo de seus dedos, abrigando-os no interior da calcinha; enquanto beijava-lhe o pescoço descendo a boca até o contorno dos seios, ainda ocultos pelo sutiã. Hábil e delicadamente retira a parte superior da lingerie, largando-a displicentemente sobre a cama, começando a navegar a língua e os lábios, sofregamente pelos mamilos. como quem se delicia com o doce néctar de uma fruta madura.
Christinne dessa vez, parecia retribuir mecanicamente as carícias. Seus olhos miravam o teto, tomados por uma tensão inesperada; pensando a melhor maneira de pedir para parar. Quando sentiu Vinícius descer-lhe a calcinha; num movimento brusco, semelhante a um espasmo, empurrou-lhe o corpo para o lado; e erguendo-se na cama, deparou-se com uma surpreendente presença, espreitando tudo o que acontecia entre os dois.
- Mas que diabo está acontecendo. - pergunta ele, visivelmente irritado, acompanhando-a no mesmo movimento. Mas ambos se calaram, diante de um acontecimento imprevisível.
Suzana, na cadeira de rodas, observa-os da entrada do quarto, portando um revólver suspenso em sua mão direita, mantendo-os sob sua mira, enquanto descansava sobre o colo um discreto laptop.
- Christinne, levanta dessa cama. Vista uma roupa qualquer. Minha conversa é com ele.
- Mãe; como a senhora...
- Já disse para levantar; não discuta! Quero você bem longe desse canalha.
A menina torna a vestir a calcinha, recolhe o sutiã, ocultando os seios com um dos braços, obedecendo a ordem materna.
O padrasto limita-se a fitar Suzana, ao esboçar um sorriso irônico, suspendendo o corpo e recostando-se.
- "Adivinha Quem Veio Para O Jantar". Este deveria ter sido o filme escolhido para noite a três; não é mesmo, Suzana? Para uma enfermeira, você está se saindo uma ótima atriz, nestas últimas semanas. Desde quando recuperou a consciência?
- Eu nunca surtei, meu caro. Enfermeiros que trabalham na área psiquiátrica, convivem todos os dias, com os mais variados tipos de loucura... Não se engane. Sabemos mais sobre psicopatologias na prática, do que qualquer psiquiatra inexperiente. Tipo aquele que você consultou sobre o meu caso. E confirmou exatamente, o laudo que eu esperava. Precisei fazer isso, para que você, sempre tão metódico começasse a se descuidar, achando que não precisava se preocupar comigo. Apostei na sua indiferença. O que acabou me salvando de tomar qualquer medicação desnecessária; já que sempre fez questão de assumir os cuidados com minha saúde. O protótipo do marido exemplar!
- E o que pensava lucrar com todo esse fingimento? Desmascarar um caso de amor proibido entre o respeitável padrasto e sua enteada? Olhe-se bem no espelho. Está inválida, inútil! Se antes já fazia um esforço enorme para transar com você, esperando que me aceitasse o mais breve possível na intimidade de sua família; agora que já ocupei um lugar no coração de sua filha; é que você não tem mais a menor chance.
- Vinícius, não fala assim com a minha mãe! - grita a menina, indignada.
- E quanto a você, para de ser capacho! Vai defender essa vagabunda, que nunca lhe teve amor?
- Não desafie minha paciência, Vinícius... - previne Suzana, engatilhando a arma, com o olhar crispado de ódio, embora procurando se manter centrada no objetivo. - Numa coisa você acertou. O fato de me tratar com falsa compaixão, não me procurando mais como mulher, aguçou meus ciúmes e a convicção de que estaria me traindo fora de casa; mais do que os cuidados que tinha por minha filha; me estimularam a investigar sua vida e testar sua honestidade, quando me percebi como "carta fora do baralho".
- Acha que me assusta, ostentando esse revólver para mim? Não deve brincar, com o que não sabe manusear. - adverte, ensaiando levantar-se da cama.
Nesse instante, um estampido seco, ecoa pelo quarto, acompanhado imediatamente por um grito de dor e o barulho de um corpo tombando sobre a estrutura da cama. O disparo da enfermeira foi certeiro, alvejando intencionalmente Vinícius, acima do coração, no ombro esquerdo.
- Pensa que só você tem segredos? Meu pai, aquele evangélico cabeça dura que conheceu, teve uma carreira no exército. Ensinou mãe e filha a manusear uma automática, sempre que tinha de viajar, nos deixando sozinhas em casa. A única diferença entre nós dois, Vinícius, é que meus segredos, pelo menos até agora, não são banhados em sangue. Lembra desse revólver?
- Do que está falando, mãe?
- Não dê ouvidos a esta louca! - intervém o padrasto, ainda se contorcendo de dor, tentando inutilmente, estancar com a outra mão, o sangramento no ombro.
- É o mesmo que tive apontado para a minha cabeça, naquela noite maldita. Filha, tira do meu colo este laptop e pode apoiar na beira da cama. Se ele bancar o engraçadinho novamente, vai ser a última coisa que vai fazer na vida.
- O que você quer que eu veja?
Suzana menciona para a menina a senha particular de acesso, indicando o caminho para os conteúdos descartados por Vinícius na lixeira da máquina; salientando o quanto o seu companheiro, julgava-se em segurança, acessando dados sigilosos a curta distância de sua presença, que observava discretamente a tudo da cadeira de rodas.
Christinne encontra um amplo histórico de acesso a material pornográfico; conversas no chat e marcações de atendimento com prostitutas. Havia também registro de gravações em vídeo doméstico, onde através de uma câmera escondida no quarto da adolescente, Vinícius mantinha vigilância de toda a sua intimidade. As lágrimas começaram a descer copiosamente pelo rosto de Christinne, na medida em que desnudava a autêntica e desprezível conduta do padrasto, a quem um dia entregara toda a sua confiança.
- Christinne, pare de olhar essas coisas. Não passam de fetiches, de fantasias masculinas, fora de contexto. Nada disso, tem a ver com o que sentimos um pelo outo.
A atenção da menina permanecia fixada à tela do computador, evitando olhar para ele, ignorando suas palavras. Repentinamente, se depara com outro vídeo, que não se assemelhava ao conteúdo dos anteriores. A conversa registrada pela webcam, usando o aplicativo messenger, atiçou sua curiosidade, no ímpeto de conhecer tudo que lhe escondera durante tanto tempo.
- "Fala chefia; já tá tudo no esquema."
- "Recebeu a encomenda que o guri do seu primo, levou? Quero os dois juntos nessa parada,"
- "Claro. O berro já tá comigo. Podia pelo menos, ter mandado uma automática."
- "Pistolas, são para profissionais (risos). Vou levar a ninfeta para a festinha; mas voltamos relativamente cedo. Vocês tem um intervalo de três horas, para oferecer um Halloween, inesquecível, àquela mulher. Nada de violência sexual, ouviu bem? Cumpram apenas o combinado. O depósito será feito, tão logo executem o serviço. E quero o meu revólver de volta, fui claro?"
- "Pode deixar, meu rei! Papo reto. Câmbio final. (risos)"
Quando as vozes se calaram, uma tensa atmosfera de imprevisibilidade psicológica, tomou conta do ambiente. Suzana foi a primeira a quebrar o silêncio.
- O lado obscuro da sua vida na polícia, jamais o abandonou, não é mesmo? Estes garotos, sempre estiveram na sua mão. Não se negariam a fazer um servicinho e ganhar uma grana fácil do seu protetor, para terem a garantia de uma vida fora da prisão. Só que você não gosta de deixar "pontas soltas". Matou eles; evitando assim qualquer chantagem futura. Por isso as investigações nunca avançaram, parecendo que estes jovens fossem fantasmas que apareceram naquela noite, apenas para me ensinar uma dura lição do destino. "Elementar, meu caro Vinícius!" - concluiu Suzana, esboçando um sorriso sarcástico.
Vinícius encarou as duas, sem demonstrar a menor iniciativa de se contrapor. Quando a adolescente fechou vagarosamente a tela do laptop, enxugando as lágrimas, procurando inibir o choro que ameaçava impedi-la de pronunciar qualquer palavra; respirou fundo e corajosamente redirecionou o olhar desiludido, para o homem que um dia escolheu amar.
- Sua grande vítima, não foi a minha mãe. Fui eu. Arrancou de dentro de mim, toda a esperança que ainda me restava, de uma vida feliz e digna. Como pôde ser tão frio, insensível e manipulador?
- Nada do que eu diga agora, vai mudar o que está pensando sobre mim. Mas quando for adulta; e infelizmente isto irá acontecer, destruindo toda a inocência pela qual me apaixonei; vai saber que o certo e o errado, não passam de mitos, criados para que a sociedade continue acreditando na falência de seus valores. "Isto que chamam de civilização, é apenas uma piada ruim". Acho que ouvi isto, em algum filme. E é a única verdade, na qual acredito.
- Monstro! Eu não tenho ideia do quanto ainda vou sofrer; mas nunca serei como você.
Suzana contempla a filha pensativa; sentindo uma emoção incomum, deixar-lhe os olhos marejados, antes de voltar a falar com ela.
- Christinne, eu assumo pela primeira vez, perante você, toda a culpa pelo seu sofrimento. Se existe alguém neste quarto, que mereça a punição divina, por ter originado as condições de abandono. frustração e inferioridade, capazes de permitir que um psicopata se infiltrasse em nosso decadente cotidiano familiar; esta pessoa sou eu. Não vou pedir seu perdão agora, porque sei que não sou merecedora. Mas as atitudes que virei a assumir, pela esperança de redenção, vão fazer com que um dia, me olhe de forma diferente.
- Mãe, u nunca vou deixá-la...
- Chega, minha filha. Teremos mais oportunidades para conversar do que imagina. Vá até o quarto do seu irmão, pegue-o no colo e fujam para casa de seus avós. Eles irão recebê-los de braços abertos.
- Mas e você? Preciso tirá-la daqui, também.
- Eu sei o que estou fazendo. Apenas obedeça sua mãe; por favor.
Enquanto a menina termina de se vestir, aproximando-se de Suzana para beijar-lhe a testa, olhando silenciosamente para o padrasto, numa desalentadora despedida; sirenes de polícia, começam a se tornar audíveis, conferindo a nítida impressão de que se aproximavam daquela redondeza. O vento sudoeste, anunciador de uma tempestade para aquela região, parecia ter seguido novo curso, desviando a turbulência atmosférica, para outros caminhos; a permitir que o céu continuasse a estampar um manso e reluzente véu de estrelas.
Sozinhos, face a face; quem quebrou o silêncio, foi Vinícius.
- Quer dizer, que a "mãe coragem", aposta na redenção? Pode esquecer. Somos uma continuidade medíocre de nossos erros. Ninguém muda. Apenas nos adaptamos, para continuar sobrevivendo. A polícia já deve estar chegando. Algum vizinho medroso deve ter chamado, quando ouviu aquele disparo. Acha que me colocando na cadeia, vai ter um minuto de paz nesse mundo? Vou caçá-la, nem que seja no inferno.
- Não foi o vizinho que alertou a polícia. Eu liguei para a central, antes de entrar neste quarto. E depois, quem disse que decidi chamá-los por sua causa? Estão vindo, apenas para me buscar.
Diante da súbita revelação, Vinícius como um animal acuado, experimenta uma derradeira investida, projetando-se ainda combalido, para fora da cama, na tentativa de dominá-la. Seguem-se dois disparos; na altura do rosto e da cabeça. O corpo tomba no assoalho, diante do olhar perdido de Suzana; descendo a arma sobre o colo e descansando os olhos, pelo cansaço.