Ilustração do design gráfico Alex Ross, para a quarta temporada de The Walking Dead
VIDA
IN CENA – HALLOWEEN: ZUMBIS – O APOCALIPSE É POP
A aventura
neocolonialista norte-americana ocorrida entre 1915 e 1934, pelos países do
Caribe, especialmente o Haiti, fez com que tradições eminentemente locais, se
espalhassem pelo mundo ocidental. Por
aproximadamente vinte anos, soldados e civis americanos, foram influenciados por
uma série de crenças populares, sendo a mais forte de todas, a de que os mortos
poderiam voltar à vida, a partir de estratégias de feitiçaria.
No Cinema da época,
filmes como Zumbi Branco tem o ator Béla Lugosi, já famoso por suas
performances na pele do Conde Drácula, assumindo o vilão protagonista, um rico
fazendeiro cujo hobby sinistro, é o de se dedicar a criar zumbis por encomenda,
valendo-se de seus poderes de feiticeiro.
Neste período histórico, outros roteiros cinematográficos, reforçaram o
estereótipo racista, de que os negros haitianos e de outras localidades, seriam
conhecedores de magias demoníacas, rivalizando com o heroico homem branco.
No mundo contemporâneo,
após o atentado do 11 de setembro, com o avanço da divulgação do terrorismo
internacional pela diversidade de mídias, cada vez mais presentes em nosso
cotidiano, a representação arquetípica do pânico perante o imponderável, se
tornou explicitamente manifesta. Diante
de circunstancias ameaçadoras, inteiramente imprevisíveis pelo cidadão comum,
emergia do inconsciente coletivo humano uma variedade de mitologias que
passaram a orbitar em torno da ideia da abdução zumbi. Vírus desconhecidos, alçados à condição
epidêmica, por efeito do acelerado progresso da globalização, nos condenariam à
realidades predatórias, expondo nossas fragilidades, nossa incapacidade de
defesa; transformando-se em tema de filmes e seriados, cuja visão apocalíptica
assumiria um caráter de fenômeno pop, para as novas gerações.
O terror despertado
pela sensação de insegurança, de abandono, parecia responder a crescente
decepção do povo com paradigmas ideológicos e institucionais, até então
ilusoriamente autosustentáveis, inabaláveis, atuando na contramão de um
considerável fascínio, ainda que mórbido, pela compulsiva ideia persecutória,
de que o outro por mais dócil e amigo que aparente, pode se transformar no mais
impiedoso algoz de uma hora para outra, objetivando interesses ególatras
naturalmente amorais. A existência de
psicopatas ou sociopatas, que se utilizam de uma inteligência manipuladora, a
fim de subjugar e escravizar a autoestima de vítimas sugestionáveis,
“zumbidificando-as” por assim dizer, seria uma analogia pertinente com a força
do mito.
Recentemente no Cinema,
Guerra Mundial Z (Marc Forster), Extermínio (Danny Boyle), a saga Resident Evil
ou as temporadas bem sucedidas na TV, do seriado The Walking Dead, evidenciam o
grau desta projeção arquetípica, nitidamente impressa no imaginário
popular. A imagem psicológica do
hospedeiro, servo indefeso de um invasor incontrolável, não seria, no entanto,
fruto exclusivamente de nossas fantasias inconscientes, mas também de um
paralelo biológico com a estrutura de sobrevivência de vários microorganismos,
que certamente serviram de inspiração para os cineastas.
Exemplificando esta
realidade, poderíamos citar o modus operandi de certos parasitas, como o
toxoplasma gondil, que é capaz de manipular o cérebro de roedores, fazendo-os
perder o medo natural de gatos.
Normalmente o rato ao identificar o cheiro da urina de felinos, se
afasta o mais rapidamente possível. Mas
no caso do animal infectado, ele perde esta defesa inata, aumentando
consideravelmente a produção do neurotransmissor dopamina, que entre outras
funções, costuma expor o organismo a emoções fortes, como desafiar o perigo
diante do mais temido predador. A
estratégia instintual do parasita visa à reprodução da espécie dentro do intestino
do gato, seu mais produtivo ambiente hospedeiro. Outro parasita muito comum nos pântanos da
Califórnia tem por hábito recobrir o cérebro do peixe, formando um espesso
tapete, assumindo o controle para induzi-lo a subir cada vez mais próximo da
superfície; levando-o a saltar de forma exibicionista, a fim de que fique bem
mais visível ao alcance das aves. O
peixe-zumbi enlouquecido, uma vez devorado propiciará ao parasita atingir seu
verdadeiro destino: o retorno ao organismo dos pássaros, seus “hospedeiros
definitivos”, para que possam neste ambiente conseguir a procriação. Em ambos os exemplos, os parasitas ao serem
expelidos pelas fezes, voltam ao habitat externo, dando continuidade ao ciclo
de contaminação discretamente invisível.
É interessante observa
que certos tipos de fungos, estabelecem o seu ciclo de vida dentro de formigas,
levando-as a jornadas suicidas. Tal
processo operacional exercido com velocidade e precisa comunicação grupal, pode
ter servido como modelo, para as cenas de ataques dos mortos-vivos em Guerra
Mundial Z. Na sequência em que,
alertados da presença humana por trás da imensa muralha de proteção da cidade,
os zumbis iniciam uma escalada coletivamente frenética e caótica, vencendo os
limites da altura, atentamos para a orquestração de movimentos incessantes,
obedecendo a uma necessidade instintual única: a perpetuação viral; como se
todos formassem o corpo de uma entidade devastadora.
Já não é de hoje, que a
medicina se dedica a estudar parasitas, fungos e até determinados insetos, que
conseguem criar seus próprios zumbis, pelo fato de que a capacidade demonstrada
de dominação do sistema nervoso do hospedeiro, a partir de substancias
secretadas desses organismos, poderiam hipoteticamente ser instrumentalizadas
para o controle de doenças que afetam o cérebro humano, como o Mal de
Parkinson, por exemplo. Estes estudos já
são desenvolvidos pela medicina tradicional tibetana, há muitos séculos;
chegando muito recentemente ao conhecimento ocidental. E existem indícios de que a natureza dessas
substâncias, poderiam futuramente revolucionar a nossa medicina, ao serem
usadas em experiências para evitar a rejeição de órgãos transplantados,
eliminação de tumores, ou até mesmo em psicofarmacologia, como antidepressivos.
Em linhas gerais, a cultura zumbi, assim como
outros temas que começaram marginalizados, restritos apenas ao domínio
visionário da arte ou dos mitos religiosos, quando analisados e unificados à
pesquisa científica, alcançam oportunamente inimagináveis benefícios à nossa
qualidade de vida, para que abandonemos finalmente, a postura tragicamente
passiva, como hóspedes de um incerto amanhã.